segunda-feira, 7 de maio de 2018

Não Era Suposto Ter Nascido


Não era suposto que o meu pai tivesse sobrevivido aquele acidente brutal que o deixou queimado, quase morto, e numa cama de hospital durante anos. Tal como seria pouco previsível que a minha mãe, uma jovem e bonita mulher, a quem nunca faltaram pretendentes, e que contra todas as expectativas, continuasse sempre a correr para aquele hospital durante tanto tempo. Muitos, incluindo um médico disseram-lhe que se calhar o "melhor seria..." Sim, claro que eu sei que já não há muitas mulheres como a minha mãe.

Mas o meu pai não queria ter filhos.
Já a minha mãe queria ter ao menos um que fosse.
O meu pai não morreu naquele acidente brutal.
A minha mãe não abandonou o meu pai.
E a minha mãe contrariou o meu pai e cá estou eu.

E ninguém escolhe nascer. 
Somos sempre, quando não fruto do acaso, a escolha dos outros. E nasce-se e pronto.
Ninguém escolheu os pais que teve, tal como ninguém escolhe os filhos que hão-de vir.
Simplesmente põem-nos no mundo e depois temos de nos desenrascar e sobreviver.

Não sei se as pessoas se costumam perguntar,  mas eu acho que é normal que eu às vezes me pergunte como foi possível que eu tenha existido. Por que raio o universo conspirou para que eu nascesse? Ter-se dado a tanto trabalho, a contornar um imenso conjunto de grandes improbabilidades. Era preciso isso tudo? Para quê? Que diferença faria se eu não tivesse nascido? Eu fiz alguma diferença? Não creio. Eu não descobri nada nem fiz nada em prol da sociedade. Nem me tornei alguém influente que influenciasse positivamente as pessoas. Não sou especial, não sou melhor que ninguém. Sou só mais um ser humano que veio ao mundo para poluir e consumir recursos. 

E as pessoas que acabaram por ser cruzar comigo?
Afinal, que diferença é que eu fiz nas suas vidas?
Também não acho que tenha feito muita sinceramente. 
Acho que a ausência de amigos por perto revela o meu insucesso.  
Não sei..., mas talvez eu não me tenha esforçado suficiente. 

Ou, sei lá. Talvez nunca sequer tenha nascido.. Talvez seja só uma espécie de fantasma errante, afinal, quantas vejas as pessoas me olham mas não me vêem? Quem sabe já tenha morrido há uma data de tempo e ainda ande por aqui a vaguear porque ainda não passei para o " lado de lá". Não sei...  Mas uma coisa sei: não era suposto eu ter nascido.

4 comentários:

  1. É uma maneira de ver as coisas, com a qual não posso concordar.
    É um desvalorizar da tua pessoa que me arranha os ouvidos (neste caso os olhos).
    E eu não concordo.
    Só porque não és importante para não sei quantas pessoas isso não significa que não sejas especial.
    Tu não te esqueceste de muitas das pessoas que se cruzaram contigo. Quem te disse a ti que elas se esqueceram? Como é que sabes se não tiveste alguma influência na vida delas?
    Acho que não podes avaliar as coisas assim.
    SF

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    1. Olá SF, já tinha saudades de te ver por cá :)
      (olha, um dia destes ainda pensam que és a Sandra Felgueiras!)
      Não acho que me tenha desvalorizado tanto assim. Ser muito ou pouco valorizado pelos outros nem sempre diz muito sobre nós. Eu acho que tu podes ser uma pessoa fantástica, cheia de qualidades, mas seres mais solitária por este ou aquele motivo. Tal como há pessoas que podem viver rodeadas de gente e que não interessam nem ao Diabo. Isto foi uma mera reflexão existencial e depois as coisas são como são. Eu acho que posso ter sido importante para algumas pessoas sim, mas acho que o fui só num determinado momento das suas vidas...

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  2. A vida é uma sequencia de acasos improváveis com que a natureza nos premeia!
    Depois cabe a cada um dar-lhe um sentido...
    Nem sempre esse sentido passa por atos heroicos e espetaculares, o importante é o sentido que fazem para cada um, independentemente do reconhecimento que tenham ou não para os outros

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    1. Concordo totalmente e acho que, a medida das possibilidades de cada um, todos deveríamos aproveitar esta oportunidade que nos é dada ;)

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