domingo, 30 de março de 2014

A entrevista

Eu tenho um indicador infalível, que mede a frequência com que sou chamado para entrevistas de emprego: a barba. Há umas semanas até tinha comentado com a minha amiga parisiense, que até estava a pensar em fazer um trança na barba tal era o seu tamanho! Mas nem de propósito - e só mesmo para me contrariar! - poucos dias depois, recebo um telefonema para ir a uma entrevista, precisamente no mesmo dia em que havia enviado o curriculum! No próprio dia? Mas esta gente pensa o quê? Que um desemprego não tem vida própria? Que a sua vida é estar em casa, de pernas abertas, à espera que o telefone toque? Acho que nem é preciso ter formação em recrutamento, acho que bastaria um pouco de senso comum, para se saber que não é assim que se fazem as coisas.

"Não, hoje vai ser impossível deslocar-me para uma entrevista" respondi. Mas nem que fosse para o melhor emprego-escravo do mundo! Lá se agendou para o dia seguinte (depois do fim-de-semana). Posto isto, lá tive de pegar na tesoura e cortar a barba, para não pensarem que sou judeu, talibã, ou sabe-se lá mais o quê! Cortar, é mesmo só cortar, não é rapar, que eu não sou cá nenhum cara-rapada higienizado! Nos últimos vinte anos, creio mesmo que só por uma vez meti uma lâmina na cara toda, e por culpa de uma gaija. Claro, sempre as gaijas! "Queria ver como ficas com a cara toda limpinha." e pronto, um gaijo apaixonado lá acede a tudo e mais alguma coisa! Mas foi uma vez sem exemplo! 

"A barba cresce rápido" foi o que pensei, e na verdade até acho que o corte me ficou bem!

A primeira tesourada

Depois de ter ficado com um ar mais - alinhado? - começou a ansiedade com a entrevista. Eu já fui a muitas entrevistas, e já rodei muito bem todos esses esquemas recrutador/recrutado e a forma como me comportar, e o que estão à espera, e como me vender da melhor forma. Mas toda esta ansiedade anormal, creio que teria a ver com o facto de estar há demasiado tempo desempregado, e as oportunidades são poucas ou nenhumas. 

A entrevista em si não sei como correu, pois só eles saberão o que acharam de mim. Prendi o cabelo (algo que nunca faço, nem nas entrevistas!) e lá fui eu. Terá sido das entrevistas mais informais a que fui... O "patrão"  começou por me tratar por tu, apesar de não ter andado comigo na escola, mas também não devíamos fazer grande diferença de idade. Era um homem e uma mulher, colocaram as cartas na mesa, e eu mostrei o jogo que tinha, e sem fazer bluff. Acho que se calhar fui demasiado humilde, e isso não é bom. Na volta acho que já estou destreinado das entrevistas, tão poucas são as que tenho dado! Por outro lado eles também sabiam muito bem de onde vinha. Demasiado bem até. 

"É muito difícil encontrar alguém com a sua experiência", disseram-me. "Pois, mas não me tem valido de muito" respondi. Podemos ter grande experiência, mas se não existem ofertas na área, de que é que isso nos vale? "Quanto é que achas que vales?" "Nada adianta dizer-lhe quanto valho, pois o que interessa mesmo é saber quanto têm para me oferecer" respondi. 

Passaram quatro dias, e apesar de ter ficado claramente com a ideia que seria um dos candidatos mais fortes que eles tinham, o telefone não tocou. Quer-me parecer que esta entrevista não valeu o corte que dei na barba, se bem que serviu para me motivar um pouco, e só isso já terá valido os 70Km que gastei em gasóleo.

"É muito difícil encontrar alguém com a sua experiência". Eu começo a ter grande experiência é como desempregado, isso sim. Não haverá por aí um nicho de mercado para gente muito experiente em desemprego?

7 comentários:

  1. De certeza que não foi em vão esse corte... de vez em quando faz nos muito bem mudar... e torna a crescer.
    Também estou desempregada...fui a uma entrevista em que axo que falei de mais...mesmo...
    No fim o entrevistador disse me que falava bem e coisa e tal....mas pouco serviu... também ninguém me ligou...
    Mas sinto a vida parada... quero tudo ao mesmo tempo...e nao da nada...

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  2. Isto está muito complicado. Já em 2008/9, quando saía com um grupinho de amigos e jantávamos juntos todas as semanas, só eu e uma rapariga tínhamos trabalho, de resto os outros ou estavam desempregados ou eram precários. Entretanto vários amigos meus do Porto emigraram e tenho cada vez menos amigos com quem sair. E agora com as mudanças no código de trabalho, somos todos precários, os despedimentos serão livres, como os capitalistas sempre quiseram.

    Os anúncios muito poucos, as entrevistas pouquíssimas, as perspetivas pouco positivas. Felizmente tenho com o que me ocupar, se não era complicado. Mas não podemos deixar-nos abater...

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  3. Para mim está a ser uma fase complicada... mas a família dá me força.
    Amanha vou andar a bater às portas...
    Quando me perguntam "trabalha"?! Eu odeio dizer desempregada... tem um tom pesado.

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  4. Os governos estigmatizam-nos, mas nós não nos podemos deixar estigmatizar. Ser desempregado não é ser criminoso, apesar dos ladrões do governo nos terem posto com termo de identidade e residência, tal como se fôssemos um réu. E que ninguém faça troça de quem não tem emprego, porque rapidamente eles também podem ficar na mesma situação. Eu também tenho ajuda familiar se não, não sei.. E ainda por cima eu não tenho grande espírito de emigrante.

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  5. Eu também nao coloco essa questão... não deixava a família por nada.
    E também gosto muito do meu país( apesar de tudo), acho um catinho(ainda) sossegado.

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    1. A minha família é basicamente a minha mãe. Não tenho mulher nem filhos, poderia ser uma coisa a equacionar. Apesar de odiar a mentalidade das pessoas deste país, gosto de onde vivo e, não tenho grande espírito de emigrante... também gosto de estar no meu cantinho tranquilo. Mas é preciso dinheiro... vamos ver se temos sorte.

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    2. Eu não conseguia ir e deixar a minha mae... era a pessoa que deixava cá. Já não tenho o meu pai.
      Vamos ser positivos e ver no que isto dá.

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