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domingo, 3 de abril de 2022

Os Refugiados Ucranianos São os Novos Animais de Estimação

Felizmente Putiu acabou com a pandemia - os negacionistas tinham toda a razão e afinal bastava desligar a televisão que a pandemia acabava - e trouxe um novo tema, até porque máscaras, vírus e vacinas já cansava, ainda que, estranhamente, as pessoas tenham ido, de novo e em massa esgotar stocks de papel higiénico, o que mostra que continuam a ignorar para que serve aquela peça dos quartos-de-banho a que se dá o nome de bidé.

A fibra da internet chegou finalmente aqui à aldeia e os comerciais das diferentes empresas andam por aqui como cães atrás dum osso. Eu continuo sem televisão e caca vez mais tenho pena de quem vê. Ou seja, nada tenho visto sobre o que se passa na Ucrânia, mas, parece-me que nem devo ser dos portugueses pior informados.

Desde 2014 os nazis ucranianos mataram 14 mil russos. Mas isso não aconteceu porque o Ministério da Verdade europeu nunca falou disso. No entanto agora proíbem os meios de comunicação russos por espalhar "propaganda". Só é permitida a narrativa americana, da NATO e dos políticos que lideram a UE. Volto o lápis azul à Europa ainda que isso viole a Constituição portuguesa.

Então, na historinha que nos contam, Putin é mau da fita (os bons são os americanos, a NATO e nós da UE) e as invasões e bombardeamentos do "bem", e que defendem os "direitos humanos", como Guterres disse quando os americanos bombardeavam a Jugoslávia, são as invasões em que nós participamos. Quando os americanos invadem países, como invadiram dezenas deles só por interesses económicos ou para decapitar regimes hostis, é sempre para defender os "direitos humanos"!  

Nós somos os bons, "eles" são os maus. 

Vamos banir a salada russa, o strogonoff, o Dostoievsky e o Tolstoi, a ópera e o bailado russo. Infelizmente nunca vi por aqui banir-se a Coca-Cola, a Pizza Hut, o cinema de Hollywood bem como outras merdas americanas, sempre que os americanos resolvem bombardear algum país ou decapitar um determinado regime, e basta pensar um bocadinho, porque também já fomos Ucrânia a seguir ao 25 de Abril. Por isso aconteceu o 25 de Novembro e o socialismo hostil aos americanos foi metido na gaveta. 

Nos jornais portugueses Putin até aparece com a bandeira comunista, apesar de, curiosamente, os comunistas serem oposição na Rússia. E claro que eles sabem, só querem espalhar a desinformação e o ódio comunista. São russos, são todos soviéticos, apesar da União Soviética ter acabado há trinta anos. São maus e os comunistas comem criancinhas e até a Nossa Senhora de Fátima e os pastorinhos instruídos também não gostavam nada deles e ela haveria de os converter. Só que não aconteceu e já nem na mãe de Deus nos podemos fiar. 

Veio a guerra, e diz-se que é na "Europa" para parecer que as bombas já estão a cair mesmo aqui ao lado e, infelizmente, esse é o maior drama de todos, deslocam milhares de pessoas que fogem como podem, tantas vezes só com a roupa do corpo. 

Mas estes refugiados ucranianos são muito diferentes dos sírios, que são refugiados rafeiros. Estes são refugiados de raça, tal como os cães e gatos. São loirinhos e têm olhos azuis. Os outros não, deixam-se morrer no alto mar. Relembrar a grande hipocrisia da União Europeia que no parlamento europeu votou - por uns meros dois votos - contra o salvamento de migrantes! E três portugueses não votaram a favor. Nuno Melo que hoje aparece como candidato a líder do CDS votou contra. 

Mas agora são migrantes de guerra e já não são terroristas, nem vêm para cá com Iphones. Estes são refugiados do "Bem"!

Vai daí, os portugueses, que têm sempre memória muito curta e gostam de pensar que estão a fazer alguma coisa de importante, porque sempre fomos muito voluntariosos e pouco organizados e também porque é fixe fazer caridadezinha e dá gostos nas redes sociais, as pessoas lá se mobilizaram para ajudar, e enviar mantimentos para a Ucrânia e depois para ir buscar refugiados do "bem", tendo-se já esquecido do que aconteceu na queda da ponte de Castelo de Paiva (em que os milhões em donativos nunca chegaram a quem devia ou, bem mais recentemente, o que aconteceu em Pedrógão Grande, com armazéns cheios de comida a estragar-se.  

Vários empresários também, como por exemplo Mário Ferreira, aquele senhor muito importante dos barcos que escraviza os trabalhadores e comprou a TVI, logo se prontificou a mandar autocarros para ir buscar mão de obra barata, perdão, a ir salvar meia dúzia de refugiados queridos para fazer caridadezinha até porque os barcos precisam de mais escravos e por cá, os portugueses são uns preguiçosos e não querem trabalhar 16h por dia a ganhar mil euros ao fim do mês.

Até que, aconteceu o que já se previa. 

Os refugiados ucranianos de raça, loirinhos e de olhos azuis trasformaram-se nos novos animais de estimação. São muito lindos quando são pequeninos e dão imensos gostos nas redes sociais, mas depois crescem, tem que se levar a cagar e dar de comer e largam pelo e é uma chatice. Mais vale abandoná-los à sua sorte. 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

Há Muitos Anos que a Política em Portugal Apresenta este Singular Estado



No passado domingo foi dia de eleições autárquicas. Quando no dia seguinte - sim, porque desta vez demorou-se tanto tempo a saber os resultados que, quando fui dormir ainda deveriam estar a contar os votos da abstenção! percebo que regressaram velhos dinossauros e caciques outrora dados como acabados para a política, e lembro-me sempre deste texto de Eça Queiroz publicado na revista Farpas.


Junho / 1871

"Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o Poder, perdem o Poder, reconquistam o Poder, trocam o Poder... O Poder não sai duns certos grupos, como uma pela que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, num rumor de risos. Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no Poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres de todos os outros que lá não estão — os corruptos, os esbanjadores da Fazenda, a ruína do País! Os outros, os que não estão no Poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais — os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do País. Mas, coisa notável! — os cinco que estão no Poder fazem tudo o que podem para continuar a ser os esbanjadores da Fazenda e a ruína do País, durante o maior tempo possível! E os que não estão no Poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser o mais depressa que puderem — os verdadeiros liberais, e os interesses do País! Até que enfim caem os cinco do Poder, e os outros, os verdadeiros liberais, entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da Fazenda e ruína do País; em tanto que os que caíram do Poder se resignam, cheios de fel e de tédio — a vir a ser os verdadeiros liberais e os interesses do País. Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da Fazenda e ruína do País... Não há nenhum que não tenha sido demitido, ou obrigado a pedir a demissão, pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis... Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas — pela Imprensa, pela palavra dos oradores, pelas incriminações da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador... E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o País, neste caminho em que ele vai, feliz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, e num chouto tão triunfante!

Daqui provém também este caso singular: Um homem é tanto mais célebre, tanto mais consagrado, quantas mais vezes tem sido ministro – isto é, quantas mais vezes tem mostrado a sua incapacidade nos negócios, sendo esbanjador da fazenda, ruína do País, etc. Assim o Sr. Carlos Bento foi uma primeira vez ministro da fazenda. Teve a sua demissão, e não foi naturalmente pelos serviços que estava fazendo à sua pátria, pelo engrandecimento que estava dando à receita pública, etc... Se caiu foi porque naturalmente a opinião, a imprensa, os partidos coligados, o poder moderador, o julgaram menos conveniente para administrar a riqueza nacional. E o Sr. Carlos Bento saiu do poder com importância. Por isto foi ministro da fazenda uma segunda vez. Mostrou de novo a sua incapacidade – pelo menos assim o julgou, por essa ocasião, o poder moderador, impondo-lhe a sua demissão. E a importância do Sr. Carlos Bento cresceu! Por consequência foi terceira vez ministro. Caiu; devemos portanto ainda supor Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: que naturalmente deu provas de não ser competente para estar na direcção dos negócios. E a sua importância aumentou, prodigiosamente! É novamente ministro: se tiver a fortuna de ser derrubado do poder, e convencido pela opinião de uma incapacidade absoluta, será elevado a um título, dar-se-lhe-ão embaixadas, entrará permanentemente no Almanaque de Gota. Ora tudo isto nos faz pensar – que quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna para governar o seu país! E portanto, logicamente, o chefe do Estado tem de proceder da maneira seguinte na apreciação dos homens: O menino Eleutério fica reprovado no seu exame de francês. O poder moderador deita-lhe logo um olho terno. O menino Eleutério, continuando a sua bela carreira política, fica reprovado no seu exame de história. O poder moderador, alvoroçado, acena-lhe com um lenço branco. O caloiro Eleutério, dando outro passo largo, fica reprovado no 1 ano da Faculdade de Direito. O poder moderador exulta, e quer a todo o transe ter com ele umas falas sérias. O bacharel Eleutério, avançando sempre, fica reprovado no concurso de delegado. O poder moderador não pode conter o júbilo, e fá-lo ministro da Justiça. E a opinião aplaude! De modo que, se um homem se pudesse apresentar ao chefe do Estado com os seguintes documentos: Espírito de tal modo bronco que nunca pôde aprender a somar; Reprovações sucessivas em todas as matérias de todos os cursos. O chefe do Estado tomá-lo-ia pela mão, e bradaria, sufocado em júbilo: – Tu Marcellus eris! Tu serás, para todo o sempre, Presidente do Conselho!

sábado, 11 de novembro de 2017

Não estudes, Corrompe!

Querido leitor: 
Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência, 
e para isso em estudar, em trabalhar, em pensar! 
Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! 
E, sobretudo, nunca faças um concurso; 
ou quando o fizeres,
 em lugar de pôr no papel que está diante de ti
 o resultado de um ano de trabalho, de estudo, escreve simplesmente:
 sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!
(Eça de Queiroz / As Farpas / 1871)


Quando eu era criança, ouvia muitas vezes dizer que era preciso estudar para se ser alguém na vida. Que quem não estudava nunca que iria sair da cepa torta. Queres estudar ou ir carregar baldes de massa? Mas hoje quando penso nisso, acho que é uma barbaridade! Uma indecência! A mentirem descaradamente às crianças logo desde pequenas. Até porque, vamos lá ver uma coisa, o que não falta para aí, é gente a trabalhar na construção civil e ganhar bem mais que licenciados! Uma empregada de limpeza ganha hoje, sem grande dificuldade, 7€ à hora, que é bem mais do que muito licenciado ganha, muitas vezes a dobrar roupa numa loja de centro comercial. 

E do que eu tenho visto, nunca foi bem assim como dizem. Aliás, desde miúdo que ouço falar de gente da minha aldeia, os "brasileiros", que foram para o Brasil  e que em poucos anos ficaram muito ricos. Conta-se que eram donos de ruas inteiras. Mas certamente que não ficaram ricos com a ajuda dos poucos estudos que tinham. E desconfio até, que não ficaram ricos a suar. Eu pelo menos nunca vi ninguém ficar rico de um dia para o outro graças ao esforço físico. E neste caso, até era público, pois uma dessas pessoas que enriqueceu contava que tinha tanto dinheiro, que dava para as suas duas filhas (da idade da minha mãe) e para os netos viverem sem nunca terem de trabalhar. Curiosamente este senhor morreu esmagado pelo próprio carro, quando este, destravado ia rua abaixo e ele foi a correr tentando sustê-lo com o seu corpo. E ele, que era tão rico, acabou esmagado contra uma parede. Não é irónico? Alguém tão riquíssimo que morre a tentar salvar algo que não lhe fazia diferença nenhuma? Mais, quase todos esses irmãos, acabaram por morrer cedo, igualmente de acidentes estúpidos.

Mas se esta afirmação nunca fez muito sentido, então hoje em dia nem se fala! Hoje em dia, cada vez mais o trabalho é mal pago. A título de exemplo, estamos em 2017 e eu tenho um salário inferior ao que ganhava em 2008. Será isto razoável? Não, não é porque o custo de vida está cada vez mais caro. A eletricidade está mais cara; a água está mais cara; o gás está mais caro; a internet está cada vez mais cara. Os transportes estão cada vez mais caros. Tudo está cada vez mais caro, mas os salários não acompanham. Porquê? E o que vejo é que, mesmo com muitos estudos, as pessoas ganham cada vez menos dinheiro, quando comparado ao que se ganhava há décadas atrás. É preciso empobrecer, gritam-nos os radicais-capitalistas! É preciso que os trabalhadores ganhem cada vez menos, para que os ricos ganhem cada vez mais! 

"Se fosse hoje nunca que tinha feito um curso superior. Passas tantos anos a queimar a pestana, para depois não arranjares trabalho na tua área e a ganhar uma porcaria". Quem mo disse foi uma ex-colega,  licenciada em engenharia química de 24 anos.

Antigamente, como a maioria das pessoas não tinha dinheiro para poder pôr os filhos a estudar (nunca que haverá igualdade de oportunidades) no máximo as pessoas ficavam-se pela instrução primária. Esse mérito de poder estudar ia para os filhos das gentes endinheiradas, que tinham sempre muitos escravos, que trabalhavam 16 horas por dia,  por uma bucha de pão e por uma malga de vinho. Mas hoje em dia, felizmente, que as pessoas já podem estudar mais um bocadinho, apesar de, não raras vezes com muito esforço.

E se agora muito mais gente estuda, a oferta, ainda por cima com taxas de desemprego altíssimas, o que não falta às empresas é por onde escolher, pagando sempre o mínimo possível, muitas vezes optando até por recrutar estagiários e nunca colocando as pessoas nos quadros da empresa. E nunca como hoje o emprego foi precário. Quase que o anterior governo tornou o despedimento livre ao sabor dos desmandos dos patrões, como se as pessoas fossem uma mercadoria.



E cada vez menos é a estudar ou a ser honesto que se vai longe. O Relvas chegou a doutor sem nunca sequer ter posto os pés numa universidade. Em Portugal (talvez como na maioria dos outros países é assim) chega-se longe a mentir, a aldrabar, a corromper. Chega-se longe fazendo-se rodear das pessoas certas nos sítios certos que fazem as coisas acontecer.

Foi precisamente isso que Eça de Queiroz escreveu n' As Farpas de Novembro de 1871, tendo sido preterido num concurso público para o Consulado da Baía: "Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! "

Portanto, se quereis dar uma boa vida aos vossos filhos, não os mandeis estudar porque, muito provavelmente, acabarão os dias a ter um trabalho para o qual não precisavam de nenhum curso superior, e a ganhar um salário de merda. Se quereis mesmo dar um bom futuro aos vossos filhos ensinai-os a mentir e a corromper. Por certo que terão o futuro garantido. 

quinta-feira, 23 de março de 2017

Habilitações Necessárias para Ministro


Junho 1871

Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado:
Doze ou quinze homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o Poder, perdem o Poder, reconquistam o Poder, trocam o Poder... O Poder não sai duns certos grupos, como uma péla que quatro crianças, aos quatro cantos de uma sala, atiram umas às outras, pelo ar, num rumor de risos.
Quando quatro ou cinco daqueles homens estão no Poder, esses homens são, segundo a opinião, e os dizeres de todos os outros que lá não estão — os corruptos, os esbanjadores da Fazenda, a ruína do País!


Os outros, os que não estão no Poder, são, segundo a sua própria opinião e os seus jornais — os verdadeiros liberais, os salvadores da causa pública, os amigos do povo, e os interesses do País. Mas, coisa notável! — os cinco que estão no Poder fazem tudo o que podem para continuar a ser os esbanjadores da Fazenda e a ruína do País, durante o maior tempo possível! E os que não estão no Poder movem-se, conspiram, cansam-se, para deixar de ser o mais depressa que puderem — os verdadeiros liberais, e os interesses do País!
Até que enfim caem os cinco do Poder, e os outros, os verdadeiros liberais, entram triunfantemente na designação herdada de esbanjadores da Fazenda e ruína do País; em tanto que os que caíram do Poder se resignam, cheios de fel e de tédio — a vir a ser os verdadeiros liberais e os interesses do País.

Ora como todos os ministros são tirados deste grupo de doze ou quinze indivíduos, não há nenhum deles que não tenha sido por seu turno esbanjador da Fazenda e ruína do país...

Não há nenhum que não tenha sido demitido, ou obrigado a pedir a demissão, pelas acusações mais graves e pelas votações mais hostis...

Não há nenhum que não tenha sido julgado incapaz de dirigir as coisas públicas — pela Imprensa, pela palavra dos oradores, pelas incriminações da opinião, pela afirmativa constitucional do poder moderador...

E todavia serão estes doze ou quinze indivíduos os que continuarão dirigindo o País, neste caminho em que ele vai, feliz, abundante, rico, forte, coroado de rosas, e num choito tão triunfante!

terça-feira, 7 de março de 2017

Diz-me que Mãe tiveste, dir-te-ei o Destino que Terás

Março 1872

"A valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães. O homem é "profundamente filho da mulher", disse Michelet. Sobretudo pela educação. Na criança, como num mármore branco, a mãe grava; mais tarde os livros, os costumes, a sociedade só conseguem escrever. As palavras escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas. E educação dos primeiros anos, a mais dominante e que mais penetra, é feita pela mãe: os grandes princípios, religião, amor ao trabalho, amor do dever, obediência, honestidade, bondade, é ela que lhos deposita na alma. O pai, homem de trabalho, e de atividade exterior, mais longe do filho, impõe-lhe menos a sua feição; é menos camarada e menos confidente. A criança está assim entre as mãos da mãe como uma matéria transformável de que se pode fazer - um herói ou um pulha. 

Diz-me que mãe tiveste - dir-te-ei o destino que terás. 
A ação de uma geração é a expansão pública do temperamento das mães. A geração burguesa e plebeia de 1789 a 93, em França, foi livre sensível e humana - porque as mães que a conceberam tinham chorado e pensado sobre as páginas de Rousseau.
A geração de 1830, gerada durante o primeiro império - foi nervosa, idealista romântica, porque as mães tinham vivido nas emoções heróicas das guerras, na contemplação das fortunasmaravilhosas. 

Se a geração de 1851, em Portugal, foi mais forte e original do que a nossa - é porque as mães, de onde ela saiu, tinham sido as raparigas vivamente sacudidas pelos tempos dramáticos das lutas civis. 


É, pois superiormente interessante saber o que são hoje, em 1872, essas gentis raparigas de 15 a 20 anos de quem nascerá, para o bem e para o mal, a geração portuguesa de 1893. Assim poderemos prever o que elas serão mais tarde como mães, como educadoras (...)

A menina solteira! Vejamos o tipo geral de Lisboa. É um ser magrito, pálido, metido dentro de um vestido de grande puff, com um penteado laborioso e espesso, e movendo os passinhos numa tal fadiga, que mal se compreende como poderá jamais chegar ao alto do Chiado e da vida. O primeiro sinal evidente é a anemia (..) A palidez, as olheiras, o peito deprimido, o ar murcho - revelam um ser devastado por apetites e sensibilidades mórbidas. Ora entre nós as raparigas não têm saúde. Em primeiro lugar não respiram. Os seus dias são passados na preguiça, no sofá, com as janelas, fechadas (...)Depois não fazem exercício. (...) Depois não comem: é raro ver uma menina alimentar-se racionalmente de peixe, carne e vinho. Comem doce e alface. Jantam as sobremesas. A gulodice do açúcar, dos bolos de natas, é uma perpétua desnutrição (...)

Outra causa de doença é a toilette. Com estes penteados enormes, eriçados, insólitos, em forma de capacete, de fronha, de chalé, de concha, e com os materiais tenebrosos que metem por baixo (...)
Lisboa é a cidade do Universo onde as meninas mais se apertam e espartilham (...)
De modo que o balanço das condições físicas de uma rapariga portuguesa é este: músculos sem exercício; pulmões sem ar; circulação comprimida; digestão estrangulada. (...)

É a moda dizem.  - Cruel razão! A moda começa por ter isto de absurdo: não é ela que é feita para o corpo - mas o corpo que tem de ser modificado para se ajeitar nela. (...) A moda destrói a beleza e destrói o espírito. (...) 

Depois da anemia do corpo, o que nas nossas raparigas mais impressiona - é a fraqueza moral que revelam os modos e hábitos. (...)
A sua preguiça é um dos seus males. O dia de uma menina de dezoito anos é assim dissipado: almoça, vai-se pentear, corre o Diário de Notícias, cantarola um pouco pela casa, pega no croché ou na costura, atira-os para o lado, chega à janela, passa pelo espelho, dá duas pancadinhas no cabelo, adianta mais dois pontos no trabalho, deixa-o cair no regaço, come um bocadinho de doce, conversa vagamente, volta ao espelho, e assim vai puxando o tempo pelas orelhas, derreada com a sua ociosidade, e bocejando as horas. (...)

Uma menina portuguesa, não tem iniciativa, nem determinação, nem vontade. Precisa ser mandada e governada; de outro modo, irresoluta e suspensa, fica no meio da vida, com os braços caídos. Perante um perigo, uma crise de família, uma situação difícil, rezam. (...)

Veja-se uma criança educada numa quinta. Pela manhã já ela está solta, com um bife, uns largos sapatos, um velho chapéu. Corre, visita os bois, luta com o carneiro, abraça o pacífico e grave jumento, preside à reunião de galinhas, conhece os ninhos, sabe de cor as árvores; cai, enlameia-se, arranha os joelhos, cura-se pulando, recebe os largos abraços do sol penetra-se de ar, de vida, de viço; e inocente como um bicho, fresca como uma madressilva, com o bife sujo, as mãos cheias de terra, o rosto vermelho como uma amora, as narinas palpitando de vida, sem sensibilidade e sem tristezas, com um cheiro de fenos e prados atravessados, espírito vivo da verde natureza, entra em casa aos pulos, berrando pela sua sopa. À noite, cheia de fadiga, dorme como um canário. - E que educação superior, em verdade, não sai das árvores, das relvas, do pacífico marchar dos regatos, das recolhidas sombras, das searas, dos milhos, de todos os tranquilos seres que cumprem nobremente, e sossegadamente, o seu dever de crescer! (...)
Em contraste veja-se uma menina de dez anos, aqui em Lisboa, nestas altas casas encarceradas: pálida, curvada, acanhada, com olheiras, lendo já o jornal, cheia de si, caprichosa, ardendo em vontades, em curiosidades - uma boneca de cera habitada por um bico de gás. (...)

"As meninas da geração nova em Lisboa e a educação contemporânea" 
Uma Campanha Alegre / Eça de Queiroz

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Ao ler este mordaz artigo do Eça, algumas reflexões e perguntas me assaltam. Desde logo, agora não é a mãe que educa os filhos. Nem o pai. Não é mãe nem o pai juntos. São os infantários e os depósitos de crianças, chamados de escolas (e neste longo artigo também se criticam os colégios da altura). Pergunto-me sobre como seriam as mães, que da minha idade, deram os filhos que têm hoje vinte anos. E pergunto-me também - quem são as adolescentes de hoje, que têm agora 15 ou 18 anos? E que portugueses teremos na próxima geração...?