domingo, 12 de fevereiro de 2017

O Peso das Mochilas

Acabo de receber um e-mail com as "causas polémicas" da Petição Pública desta semana. No topo da lista uma petição "Contra o Peso Excessivo das Mochilas Escolares". Argumentam os defensores da petição que há uma grande probabilidade das crianças desenvolverem deformações nos ossos e nos músculos. 

Pois, de facto deve ser verdade. Bem se vê que eu e os meus ex-coleguinhas de escola, e que no nosso tempo também tínhamos de carregar as mesmas mochilas com o mesmo peso de livros - a diferença é que estas não eram tão embonecadas como agora - e hoje somos todos uns verdadeiros corcundas de Notre Dame!

Tadinhas das crianças de hoje em dia. No meu tempo, com seis anos, eu saía de casa e não tinha nenhum papá rico que me fosse levar à escola de automóvel. Saía de casa, e ia a pé para a escola, por estradas de terra batida, e atravessava um monte de caminhos de cabras, e ainda recordo de no Inverno ver as poças de água congeladas, e lembro também de me cruzar, várias vezes, com cobras e licranços. Não era muita distância, mas seria certamente mais de 1Km.  

Hoje em dia nenhuma criança de seis anos vai sozinha a pé para a escola! E aos dez-onze anos, quando começam a haver mais matérias e consequentemente mais livros para carregar, as crianças, ou são levadas e trazidas pelos carros dos papás, ou então andam de autocarro como também eu andei, e têm de carregar as mochilas, da paragem do autocarro para a escola, e da escola para a paragem de autocarro. Coitadas das crianças, é um esforço descomunal, eu acho que na petição esqueceram-se de referir que é escravatura ou trabalho infantil!

Vocês, papás, que hoje são da minha idade, e que já nasceram num tempo privilegiado, sabem lá o que é uma criança fazer sacrifício. A minha mãe, criança que só teve a oportunidade de fazer a instrução primária, antes de ir para as aulas, por vezes já tinha de tocar o boi e deixar um campo de milho sachado. E de inverno, nem meias tinha, e tinha de ir se socos para a escola. 

Para os novos-papás, hoje em dia tudo é queixume. São os livros que só têm poucas vergonhas e que ai-jesus-que-os meninos-de-quatorze-ou-quinze-anos-e-que-já-sabem-mais-do-que-os-pais mas vão ficar traumatizados; ele são os Trabalhos Para Casa  (TPC) que valha-nos-deus-que-coitadas-das-crianças que não têm tempo para brincar; E agora, no tempo em que até existem malas com rodinhas, e que não custam nada a puxar, ai-nossa-senhora-de-Fátinha-a-Lúcia-e-a-Jacintinha-que-não-pode-ser porque as crianças vão ficar corcundas! Tenham juízo. 


Agora há todo um movimento de papás revoltados. Não querem os TPC, porque tadinhas das crianças que não têm tempo para brincar nem para a família. Mas se calhar, digo eu, se os papás não as metessem duas horas por dia nas explicações (antigamente ninguém tinha explicações e os TPC eram para tirar dúvidas!), na música, no ballet, no karaté, nos escuteiros, no Diabo-a-quatro e em-tudo-que-o-filho-dos-vizinhos-também-esteja, se calhar, digo eu, se calhar as crianças tinham tempo para a família, para brincar e para fazer os TPC. 

Claro que, felizmente, que os tempos hoje são outros, bem diferentes do tempo dos meus avós e dos meus pais, mas o que me parece é que os pais estão educar um bando de incapazes de fazer o que quer que seja. Parece que hoje em dia tudo traumatiza as crianças, a quem cada vez menos se exige, desde logo que estudem para passar de ano. Os pais só não exigem é que os filhos sejam bem educados, demitem-se dessa tarefa e exigem que seja a Escola que os eduque, quando a escola tem o papel de ensinar.

Hoje tudo se desculpa. A má educação das crianças tem sempre desculpa: "Sabe é hiperativo tadinho, e até toma Ritalina"! É muito mais fácil dizer que o filho é um doente mental, que assumir que falharam na tarefa de o educar convenientemente. Mas contra o facto de se estarem a drogar e a transformar as crianças em verdadeiros mortos-vivos, contra isso ninguém se revolta, porque dá muito jeito a professores e aos pais que não podem aturar as crianças. 

As criancinhas hoje parecem umas flores de estufa. Não podem fazer trabalhos de casa, não podem carregar livros, não podem reprovar de ano que ficam traumatizadas, não podem ler literatura que fale em levar no cu porque que valha-nos-deus é uma violência, mas já não é uma violência ver a forma como falam, nem é preocupante que as crianças de tenra idade, já andem todas a mandar fotografias nuas umas às outras, algumas envolvidas em orgias e a consumir drogas. Isso já não preocupa os papás, que em boa verdade, nem devem saber da missa a metade daquilo que os filhinhos fazem, porque hoje em dia quem ouve as crianças são as consolas de jogos, as televisões e os computadores.

As crianças portuguesas, segundo um relatório da UNESCO, são as crianças que até ao sexto ano, mais horas passam nesses verdadeiros depósitos a que ainda chamam escolas. Mas curiosamente, contra isso ninguém se manifesta nem se fazem petições, pelo contrário, cada vez mais se ouvem pais dizer, que as crianças ainda deveriam ficar mais tempo nas escolas!

Eu estou mesmo em crer que, hoje em dia, o ideal para os papás portugueses seria: assim que nascessem, os pais entregavam os filhos nas escolas, e só os voltavam a ver, quando estes fossem depois devolvidos, vinte anos depois, já com a escola toda, e, pelo menos, a saberem limpar o cu sozinhos.

2 comentários:

  1. Subscrevo plenamente o que escreveste.:)

    Beijo

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    1. Muito bem! Não é fácil concordar com as minhas ideias, por vezes, um bocado polémicas!
      Beijo

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