quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Amigas da Bolha

Corria o ano de 2016.

A Primavera corria para o seu final e Portugal encontrava-se a disputar o Campeonato Europeu de Futebol em França. Mais uma vez, depois de um jogo de preparação a feijões, contra um adversário com um futebol tão forte que agora nem lembro o nome do país, havíamos ganho de 7-0 e como tal já íamos ser campeões!

É sempre assim, os portugueses são irracionalmente emotivos. Vão do 8 ao 80 enquanto o Diabo esfrega um olho. E desta vez estavam no 80. Demos 7-0, apesar de nunca jogar nada pela seleção temos o "melhor do mundo ", e a Europa vai ser toda nossa. 

Mas não foi. 

Antes da competição, o meu colega, com quem sempre gostei de trocar umas impressões da bola, apesar de eu ser cego, que é como quem diz  de não ver televisão,  tinha-me perguntado se eu achava que Portugal poderia ser campeão da Europa. E eu então proferi as seguintes palavras proféticas:

"Acredito sim que podemos ser campeões da Europa, mas só se passarmos a fase de grupos, coisa que não acredito". 

No dia do segundo jogo, eu estava por Miranda do Douro e haveria de me cruzar com as Amigas da Bolha. Este é grupo exclusivamente só de mulheres, são uma espécie de Amazonas da Boa Disposição. Perante a oportunidade que tive de as fotografar no seu habitar natural, não hesitei e disparei certeiramente. Podemos ver como em grupo estas Amazonas se comportam: o estratégico cruzar de pernas, os óculos de sol e lenço com as cores da seleção. Nada é deixado ao acaso!



À noite, no restaurante, estavam todos mais entusiasmados para ver o jogo de Portugal contra a Áustria, que com a posta mirandesa que ia ser servida. Mas o entusiasmo rapidamente bateu na trave. Na sala, não havia uma única televisão para se ver o jogo, só mesmo num corredor que também tinha algumas mesas, para onde só foram três ou quatro adolescentes. E quase todos ficaram amuados. 

Quando a posta já tinha toda passado o esófago e já estava a ser digerida no estômago pelo suco gástrico, fiquei então a saber o Cristiano tinha falhado, nos últimos minutos, o penalti que daria a vitória a Portugal e a coisa tinha-se ficado por empate. 

E agora já estava toda a gente de novo no oito! A seleção não joga um cu e o selecionador que veio lá da Grécia anda-se a ver grego e também não sabe o que anda a fazer. Nem levou avançados, ou pior, levou, mas foi aquele preto das trancinhas que em vinte jogos nunca marcou um golo sequer! Ele é maluco quando diz que só sai de lá no dia 11 de julho, com a taça na mão e que vai ser recebido em Portugal como um herói! Deve estar mesmo maluco!

Nos dias seguintes eu quis escrever sobre as Amigas da Bolha, mas depois pensei: então mas vais publicar uma fotografia das mulheres sem autorização e tal, é sempre chato. Mas depois pensava como elas devem colocar dezenas ou centenas de fotografias nas redes sociais... Qual seria o mal?
Pronto, coloco depois, mas só se Portugal for campeão da Europa!

Mas eu haveria de ter dupla razão. 
Portugal haveria de ficar em terceiro lugar no seu grupo, só com empates, o que até então nunca que daria para passar à fase seguinte, mas com artes mágicas, e porque desta feita, e pela primeira vez alguns terceiros classificados passavam, Portugal então lá acabou mesmo por seguir em frente, e pasme-se, evitando todas as seleções mais fortes, e de empate em empate, haveria mesmo de se sagrar, pela primeira vez, Campeão Europeu de Futebol!

Mas tudo isto só aconteceu porque o universo queria mesmo que escrevesse um post sobre as Amigas da Bolha.

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Só para me dar uns mimos

Num dia cheio de tristes surpresas, umas mesmo tristes, outras só desagradáveis para os próximos dias, chego a casa, e quem é que tinha à minha espera e que não dava notícias há muito tempo? Pois é, precisamente hoje, num daqueles tristes dias de instrospeção, o meu amigo felídeo estava à espera que eu chegasse a casa...

Pareceu-me meio esfomeado, mas isso se calhar foi só para disfarçar. Se calhar quis só parecer esfomeado para eu não perceber que ele sabia que eu hoje não estava bem, e então quis visitar-me precisamente hoje para me dar uns mimos. 

Eu aos poucos fui recolhendo diversas informações, e creio que já juntei os pedaços todos para completar a história deste visitante inesperado. 

Como já fui contando, este gato apareceu-me por casa e rapidamente me acolheu e fez do meu espaço seu espaço também de visita. Sempre achei que eu seria uma espécie de restaurante grátis. Mas descobri que os donos viviam a duzentos metros, mesmo junto da estrada principal, numa grande e moderna vivenda, com toda a comida que quiser à disposição. 



Só que o pobre bicho é perseguido, ao que parece, ele como os outros gatos das redondezas, por um grande gato pardo, que eu suspeito que tenha sido ele que por estes dias vi quando cheguei a casa. Estava todo esparramado na minha varanda, e que mal me viu, desatou a fugir. Diz-se que ele os fere para os matar, não sei ao certo se já matou algum. 

Disse a dona do meu amigo visitante que já teve de o curar. E que é precisamente por se sentir ameaçado, que foge e depois passa imenso tempo sem aparecer em casa. Mas há um facto extraordinário, que é, ter-se mostrado muito surpreendida por o gato dela, me fazer festas a mim, um estranho, e subir para cima de mim quando estou deitado na relvado, quando lá em casa, ninguém pode pegar nele.  

"Nós vamos estar de férias, ele (eu) que lhe deite de comer".
E bem que me parecia que estava esfomeado. Ou então apareceu só para me dar uns mimos.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

do AMOR

" Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.



Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão ser estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor."

Kahlil Gibran "The prophet" (1923)

domingo, 7 de agosto de 2016

WEIRD





"Weird" de Vidam e Look (Porto / 2014)


"Strange kind of love"

Ao fim da tarde fazia a viagem de regresso no autocarro. Ao meu lado desta vez não vinha ninguém sentado, podia-me esticar à vontade e vinha com a cabeça encostada ao vidro. O ar condicionado desta vez funcionava e talvez ajudasse a refrescar-me as ideias. Eu olhava lá para fora pela janela, sorria e pensava numa série de coisas. 

Momentos antes de entrar a bordo tinha estado a dar festinhas naquele pequeno cão adulto que no meio daquelas pessoas, escolheu-me a mim para se despedir. Fiquei muito surpreendido quando soube que o animal tinha feito connosco aqueles doze quilómetros naquela torreira de calor montanha acima e montanha abaixo. E ao fim do dia, como que tinha vindo trazer-nos, seguros, de volta ao autocarro. Se calhar fá-lo com todas as pessoas que ali chegam, se calhar vai recebê-las e depois despedir-se delas também, quase uma espécie de guardião. 

Depois de almoço tinha ido com as minhas duas companheiras de viagem, a que outras se juntaram, para refrescar-me junto do rio Ovelha, mesmo defronte da ponte românica. Eu estiquei-me ali à sombra, onde se estava mesmo bem, onde podia era tirar uma bela sesta, embalado pelas conversas das senhoras. Mas o que é bom acaba rápido e já eram horas de partir de regresso. 



No autocarro, logo naquele dia em que não tinha ninguém no banco ao lado, eu seguia viagem com a cabeça encostada ao vidro e era a paisagem que me fazia companhia, enquanto sorria e me perdia nos meus pensamentos. Pensava naquela mulher que distribui abraços. Abraçou-me quando, no meio daquelas várias pessoas que se tinham juntado ao nosso redor, lhe disse, que se calhar eu não estaria ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que não conhecia de lado nenhum, por mero acaso. Talvez houvesse um motivo para eu estar ali. E fechei os olhos, enquanto ela me apertava para si, e tentava não me sentir desconfortável.

Na rádio passava a Strange kind od love de Peter Murphy. Eu ainda pensava na mulher que distribui abraços e perdia-me profundamente nos meus pensamentos. Olhava lá para fora, sorria, e sentia-me quase feliz.


"This is no terror ground

Or place for the rage

No broken hearts
White wash lies
Just a taste for the truth
Perfect taste choice and meaning
A look into your eyes"


E meia hora depois estava a sair do autocarro e a ir para a minha carroça, para fazer os vinte quilómetros que faltavam até casa. E eis se não quando, quando faltava só um quilómetro para chegar, cruzei-me com um monovolume de cor prata. Foi apenas por um segundo. Ao volante estava uma mulher, de cabelo escuro, não sei se curto ou apanhado, escondida atrás de uns óculos de sol que lhe tapavam metade da cara. Poderia ser uma qualquer pessoa estranha, acredito que o mais provável é que o fosse mesmo. Talvez tenha sido tudo da minha cabeça e de todos aqueles pensamentos que passaram em revista o que tem sido a minha vida e das pessoas com quem me tenho cruzado. Afinal porque raio haveria de voltar a vê-la agora, quase dez anos depois?