domingo, 7 de agosto de 2016

"Strange kind of love"

Ao fim da tarde fazia a viagem de regresso no autocarro. Ao meu lado desta vez não vinha ninguém sentado, podia-me esticar à vontade e vinha com a cabeça encostada ao vidro. O ar condicionado desta vez funcionava e talvez ajudasse a refrescar-me as ideias. Eu olhava lá para fora pela janela, sorria e pensava numa série de coisas. 

Momentos antes de entrar a bordo tinha estado a dar festinhas naquele pequeno cão adulto que no meio daquelas pessoas, escolheu-me a mim para se despedir. Fiquei muito surpreendido quando soube que o animal tinha feito connosco aqueles doze quilómetros naquela torreira de calor montanha acima e montanha abaixo. E ao fim do dia, como que tinha vindo trazer-nos, seguros, de volta ao autocarro. Se calhar fá-lo com todas as pessoas que ali chegam, se calhar vai recebê-las e depois despedir-se delas também, quase uma espécie de guardião. 

Depois de almoço tinha ido com as minhas duas companheiras de viagem, a que outras se juntaram, para refrescar-me junto do rio Ovelha, mesmo defronte da ponte românica. Eu estiquei-me ali à sombra, onde se estava mesmo bem, onde podia era tirar uma bela sesta, embalado pelas conversas das senhoras. Mas o que é bom acaba rápido e já eram horas de partir de regresso. 



No autocarro, logo naquele dia em que não tinha ninguém no banco ao lado, eu seguia viagem com a cabeça encostada ao vidro e era a paisagem que me fazia companhia, enquanto sorria e me perdia nos meus pensamentos. Pensava naquela mulher que distribui abraços. Abraçou-me quando, no meio daquelas várias pessoas que se tinham juntado ao nosso redor, lhe disse, que se calhar eu não estaria ali, no meio daquelas dezenas de pessoas que não conhecia de lado nenhum, por mero acaso. Talvez houvesse um motivo para eu estar ali. E fechei os olhos, enquanto ela me apertava para si, e tentava não me sentir desconfortável.

Na rádio passava a Strange kind od love de Peter Murphy. Eu ainda pensava na mulher que distribui abraços e perdia-me profundamente nos meus pensamentos. Olhava lá para fora, sorria, e sentia-me quase feliz.


"This is no terror ground

Or place for the rage

No broken hearts
White wash lies
Just a taste for the truth
Perfect taste choice and meaning
A look into your eyes"


E meia hora depois estava a sair do autocarro e a ir para a minha carroça, para fazer os vinte quilómetros que faltavam até casa. E eis se não quando, quando faltava só um quilómetro para chegar, cruzei-me com um monovolume de cor prata. Foi apenas por um segundo. Ao volante estava uma mulher, de cabelo escuro, não sei se curto ou apanhado, escondida atrás de uns óculos de sol que lhe tapavam metade da cara. Poderia ser uma qualquer pessoa estranha, acredito que o mais provável é que o fosse mesmo. Talvez tenha sido tudo da minha cabeça e de todos aqueles pensamentos que passaram em revista o que tem sido a minha vida e das pessoas com quem me tenho cruzado. Afinal porque raio haveria de voltar a vê-la agora, quase dez anos depois?

Sem comentários:

Enviar um comentário