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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Quando te Conheci Não Pensei que Gostasses de Futebol


 Se eu fosse remexer nas dezenas de cartas que trocamos, por certo que lá pelo meio encontraria uma em que ela me diz "quando te conheci pensei não gostasses de futebol". Ora, isto não deixa de ser curioso, porque foi precisamente numa conversa de futebol entre amigos comuns que nos cruzaram pela primeira vez diretamente (porque indiretamente há muito que os meus olhos tinham reparado naquela adolescente de quatorze ou quinze anos, tal como há muito ela já tinha reparado em mim, principalmente quando eu me sentava na mesma soleira da porta, da mesma casa da rua Barão de São Cosme, onde ela também gostava de se sentar enquanto espvaera a camioneta). 

E foi nas traseiras duma camioneta que ambos apanhamos, que estivemos uns quantos à conversa. Lembro-me bem da Vânia, a mais afoita defensora do seu FC Porto, bem como da Patrícia, sua prima, que mora aqui na aldeia, e talvez também o Mauro estivesse presente; se não esteve nessa ocasião, esteve depois, em muitas outras conversas, nas traseiras de muitos outros autocarros, que naquela altura chamávamos de camioneta ou carreira. Nessa tal conversa sobre futebol, retenho na minha minha cabeça que terei mantido uma postura de Álvaro Cunhal, que, perante a argumentação do Mário Soares, lá ia soltando, de vez em quando, um "Olhe que não, doutor, olhe que não". 

E se eu encontrasse a tal carta em que ela me diz que quando me conheceu não pensava que eu gostasse de futebol, procurando bem, nas outras dezenas de cartas que lhe escrevi, encontraria também a carta em que lhe respondi (porque ela mas devolveu, todas, como se tivessem sarna) em que lhe terei respondido que, sim, gostava de futebol, mas que não me tinha por fanático. Que gostava de analisar o jogo dentro das quatro linhas e que tinha as minhas opiniões.

Mas não deixa de ser muito curioso e até irónico. Quando me conheceu ela pensava que eu gostava de futebol; já eu, quando anos depois começamos a namorar, nunca pensei que um dia ela me pedisse para a levar à festa do "Penta" porque queria-se juntar à multidão em festa com as amigas da escola. "O Jardel até me disse adeus!". E eu que nem imaginava que ela fizesse ideia de quem era o Jardel. 

Relembrei esta passagem da minha vida quando, por estes dias, começou o Europeu de futebol. Como que me perguntei se deveria - sei lá, por dever patriótico? - ver os jogos da seleção, ou se iria cometer a heresia e o pecado mortal de ignorar os jogos da seleção. 

Decidi ignorar porque a paixão, aquele fogo que arde sem se ver, há muito que se extinguiu completamente e o rescaldo, aqueles trabalhos que se fazem para que não haja reacendimentos, foram muito bem feitos nos últimos quase dez anos, e, entretanto, os eucaliptos foram substituídos por carvalhos e azevinhos, e não há forma do interesse ser reacendido. 

Posso afirmar que ser um um ex-adepto de futebol como sou hoje, é como se tivesse deixado de fumar e já conseguisse ver com clareza a estupidez que cometi durante tantos anos a gastar dinheiro que me faz falta e a dar cabo da saúde com os cigarros. 

Hoje, se alguém me conhecesse assim, ignorando o futebol e toda a irracionalidade que envolve o fenómeno, muito estranharia que um dia gostei de futebol, que vibrei com as vitórias ou ficava pior que estragado nas derrotas. Se hoje fosse uma criança, ninguém me iria querer chatear porque o clube da minha simpatia perdeu - ou poderia dar também o exemplo do emprego, sim, porque parece que crescemos, mas continuamos a ter os mesmos comportamentos de criancinha, em que se fica calado como um rato quando o nosso clube perde, até se diz que não se gosta de futebol, mas depois, subitamente, já gozamos com os outros, quando é o clube dos outros a perder. Tristes aqueles que ficam felizes com o mal dos outros, é o que vos digo. 

E, se hoje alguém me tivesse conhecido a ignorar este aborrecido espetáculo de hora e meia - porque a verdade é essa, hoje em dia o futebol é uma verdadeira seca! - e em que a vitória é tantas vezes decidida pelos homens do apito, e em que todos ganham salários pornográficos à custa do pobre que vai ao estádio ou tem uma assinatura de televisão, quando mal ganha para comer - quanto muito, o que me poderia dizer, uns tempos mais à frente, seria: "nunca imaginei que um dia tivesses gostado de futebol". 

*na imagem Sócrates, antigo jogador de futebol brasileiro, médico e filósofo, que ficou conhecido por Doutor Sócrates e pelas suas convicções políticas

# O Benfica Deixou de Ter Seis Milhões de Adeptos

# Quando o Meu Avô Rasgou o Cartão de Sócio

domingo, 17 de dezembro de 2017

Viver é só Resolver Problemas?

Não sei se é o destino, se é o universo, ou então se é o raio que o parta, mas a verdade é que, quando de tudo nos acontece, e ao mesmo tempo, sem descanso quase sem tempo para respirar, fico com a sensação que viver é quase só ter de resolver problemas, uns atrás dos outros.

Quando eu era criança tinha dois medos. De tanto ouvir falar tinha medo de poder ter de ir para essa coisa que se chamava tropa, e tinha também medo de quando chegasse o fim do mundo, afinal, ia morrer ainda tão jovem, no ano de 1999, porque passava a vida a ouvir dizer que "a 2000 chegarás, de 2000 não passarás. Em criança tinha também o medo de poder chegar a adulto e não saber resolver todos os problemas que os adultos têm, ao passo que, enquanto somos crianças, não temos de os resolver nem de decidir nada, pois temos sempre os papás a resolver os problemas e a decidir por nós, até a roupa que levamos para a escola no dia seguinte.

Entretanto há muito que sou adulto. Não fui à tropa e duvido que algum dia pegue numa arma de fogo porque sou totalmente conta elas. E há quase dezoito anos que passei o ano 2000! Já nem na santa podemos acreditar! E depois, à medida que vamos abandonando a meninice, começamos a ter de tomar decisões e assumir responsabilidades. 

Os estudos, as amizades, com quem decidimos andar, os namoros, a sexualidade. Depois o trabalho, o primeiro carro, a casa... Não é necessariamente por esta ordem, mas aos poucos a nossa vida rodeia-se de um monte de decisões que temos de tomar, e algumas dessas decisões poderão ter, para o bem e o para o mal, implicações para o resto da nossa vida. 

E os problemas em adulto já não são aqueles que resolvíamos na escola primária em que se tirava a prova dos nove. Por vezes parece mesmo que o universo não tem mais nada que fazer que não seja complicar-nos a vida. Parece que pega num boneco de voodoo e nas agulhas, e vai-nos espetando, espetando e rindo-se de nós, como se tivesse mesmo muita graça foder a vida dos outros. E no meio de um monte de problemas, que surgem sempre ao mesmo tempo, tal como diz a Lei de Murphy! em que teremos de tomar decisões e resolver as situações. E logo que se resolvem uns, é como se de repente estivéssemos num jogo, passássemos de nível para logo a seguir aparecerem mais uns quantos. Às vezes fico mesmo com a sensação que, nesta vida moderna, e tantas vezes uma vida sem sentido que levamos, viver mais parece que é só ter de  problemas atrás de problemas. 

E o que me parece é que nós não andamos a viver. Andamos unicamente a ser escravos desta sociedade de consumo. Os nossos problemas não são verdadeiros problemas. São meras contas que qualquer menino resolve na instrução primária, tal como eu resolvia e ia depois, a correr mostrar à professora Alice. 

Uma grave doença; um acidente; uma incapacidade; uma morte; um desgosto amoroso. Sim, isso são problemas reais. Tudo resto, na maior parte dos casos são só pequenas decisões que temos (ou não) de tomar. E às vezes parece que os adultos, mesmo quando tudo está a correr bem, adoram criar os seus próprios problemas, tal como aquela criança que espera, na carteira, ansiosamente, que a professora coloque no quadro um novo problema para resolver. 

Sim, eu tenho em mãos alguns problemas complicados. Uns mais do que outros. Uns mais básicos, da base da pirâmide, outros mais difíceis de resolver, lá bem no cume, de cariz existencial. Mas uma coisa é certa, o universo terá que se esforçar mais, pois as agulhas que espeta no meu boneco de voodoo só me fazem umas coceguitas. Olha para mim universo, de pé, firme, sempre a resistir. É só isso que tens para mim? O que eu acho é que quem dera a muita gente ter só os problemas que eu tenho para resolver. (Ainda que, na verdade, se soubessem dos problemas que eu tenho, quem lhes dera voltar a ter só os seus).

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Nunca Invejes a Vida dos Outros...

Sempre que ouço as pessoas invejarem a vida dos outros, achando que os outros é que estão bem, que os outros é que têm sorte, e que elas é que estão muito mal com a vida que têm, lembro-me sempre desta frase de Sócrates que guardo desde há muitos anos: