Tinha comentado com os colegas que se iria realizar aqui no Porto um curso de treinador, numa de ver se alguém se juntava a mim e aproveitar esta oportunidade de fazer a formação aqui ao pé de casa, porque os sítios vão variando de ano para ano. Eu até já tinha feito o curso de árbitro em 2019, ainda que nunca tivesse exercido, porque não tenho vida para isso, para trabalhar toda uma semana, chegar cansado ao fim de semana e, depois, passar o fim de semana a arbitrar em torneios, ou ter mesmo que arbitrar mesmo durante a semana.
O tempo foi passando e ninguém demonstrou interesse, mas, por insistência de um colega, que achava que seria uma boa oportunidade, lá acabei por me inscrever e pagar os 150€ do meu bolso, mas sem saber muito bem naquilo que me ia meter e o que iria implicar.
O intuito nunca foi ter uma certificação para ser de facto treinador, até porque o ténis-de-mesa é uma modalidade tão técnica, que é preciso saber para depois se mostrar como se executa com os gestos corretos. Ou seja, é preciso ser bom praticante para melhor se ensinar, bem diferente, por exemplo, do futebol, em que não é preciso saber dar um chuto numa bola, nem sequer é preciso ter sido jogador de futebol para poder vir a ser um bom treinador de futebol. O meu intuito foi sim aprender, para por um lado tentar como é óbvio poder ajudar os colegas do clube a evoluir um pouco mais tecnicamente, mas também para estar por dentro dos meandros da modalidade.
Em breve fui contactado e fiquei a saber que a parte teórica seria ministrada em três fim-de-semana, quatro horas à sexta-feira depois de oito horas de trabalho, e sábados e domingos o dia todo. Mas pronto, era um pequeno esforço que tinha de ser feito. Paralelamente teria também que assistir a quatro treinos das seleções nacionais jovens, algo que fiz logo num dos primeiros fim de semana do início da época desportiva.
E seguiu-se o estágio, duas horas e meia por semana em contexto de clube, mais os quatro relatórios que teria que fazer e entregar para poder concluir o curso. E não deixa de ser curioso como as coisas mudam. Há seis anos estava na bancada a ver uma atleta do clube sagrar-se campeã nacional, agora, um atleta que vem do lazer e nunca sequer foi federado estava ali, a fazer o curso de treinador.
Chamemos turma ao grupo de onze ou doze inscritos que, vindos de todas as partes do país, incluindo as meninas da ilha do Pico que tinham de apanhar dois ou três aviões para chegar até ao Porto, ou o venezuelano sempre bem disposto e com muito apetite, que vinha da ilha da Madeira. Ao contrário de mim, todos eles já eram treinadores, simplesmente não tinham a certificação. O Hermenegildo, que até tinha uma fotografia com o Ma Long no telemóvel (o equivalente ao Maradona do ténis-de-mesa) até já tinha curso, mas creio que o IPDJ não validou o certificado angolano.
Ao contrário do ano anterior, em que o grupo de inscritos era bem superior, um grupo mais pequeno permitiu aos formadores proporcionar um acompanhamento mais próximo e por outro lado cria também maiores laços de proximidade entre os alunos.
Eu era o mais velho da turma e sempre tive consciência das minhas limitações técnicas, quando me comparava com os restantes colegas, todos bem mais evoluídos. E no estágio também senti esse desconforto. Eu estava num clube que está há quinze anos na primeira divisão, e eu era um matreco que não sabia fazer um top spin de esquerda! E não ratas vezes tinha ali ao lado um atleta que ainda há não muito tempo andava na seleção principal!
Outro desafio que iria enfrentar no estágio eram as crianças. Eu não tinha qualquer experiência com crianças, porque não lido com elas (excluindo as crianças adultas). Não tenho filhos, nem sobrinhos ou afilhados. Acho que sempre tratei as crianças como adultos. Ora um treinador de grau I está orientado para a iniciação e, por conseguinte, formação de crianças ou iniciação. E essa também foi uma experiência social que tive.
Ser professor deve ser fascinante porque todas as crianças são diferentes (e darão origem a adultos todos diferentes). Durante este ano que passou estive com cerca de uma dúzia de crianças, entre os cinco e treze anos, com maior número de rapazes mas também com meninas. Vi de tudo. Crianças extremamente focadas (mais as meninas) e crianças sempre cansadas e que se aborrecem facilmente e outras até bastante preguiçosas (meninos). Uma até muito instável e do nada parece começar a querer chorar. Ou outro, que a tutora logo me preveniu, "fica atento e não o deixes fazer o que quer". Mas também não durou muito lá, afinal, um clube não é uma escola pública e tem as suas regras e até interesses.
"Tu também queres tudo."
Este não foi um ano fácil. Bem pelo contrário, foi mesmo dos piores anos da minha vida, mas, ainda aqui estou. Inscrevi-me no curso em final de maio ou junho do ano passado, dois ou três meses depois da minha mãe começar a adoecer. Todas as segundas-feiras fui para o estágio e, a partir de março deste ano, quando foi internada no IPO, era mesmo o único dia que não a visitava, porque saía as cinco da tarde do trabalho e às cinco e meia tinha de estar no estágio até às 8h da noite. E eu sei que a minha mãe tem razão, eu meto-me em demasiadas coisas ao mesmo tempo e não paro. Só faltei mesmo ao estágio nas duas últimas semanas, em que até tirei "férias", férias essas que não terei este ano, porque tirei simplesmente os dias para aproveitar ao máximo todo o tempo possível para estar juntinho dela, até ao fim.
O importante para mim foi a aprendizagem, as conversas com os colegas, estar por dentro, entender o que é a modalidade, que além de desporto também é negócio, como em tudo nesta sociedade. Ter também tido a oportunidade de ter estado com dois atletas da seleção e ouvi-los falar da sua experiência. E, claro, no estágio, ter podido passar muitos meses, sendo orientado e poder dar treino às crianças, e poder agora de forma autónoma poder fazê-lo na coletividade onde promovo a modalidade e, como provavelmente iremos para o federado, não precisamos agora de arranjar alguém que assine como treinador, eu mesmo o farei.
Isso foi definitivamente o mais importante porque, no fundo, não preciso de diploma nenhum porque eu não irei fazer carreira como treinador. Mas meti-me nelas, queria concretizá-las e, mais importante, não queria agora sentir-me culpado, por ter andado a perder tempo com uma formação, quando poderia ter aproveitado mais um pouco a estar ao lado da minha mãe. Está feito, junto ao curso de árbitro o curso de treinador.
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