Um excelente artigo de Ignacio Sánchez-Cuenca, catedrático de Ciência Política da Universidade Carlos III de Madrid, publicado hoje no El País, a propósito da catástrofe de Valência, mas recordando vários outros tristes episódios, como, por exemplo, o atentado de Atocha ou o do petroleiro Prestige, entre outros, e explicando muito bem o modus operandi da direita espanhola.
O PP Perante a Catástrofe, ou a Catástrofe do PP
"A esta altura, não parece controverso afirmar que o atraso de mais de 12 horas do presidente da Generalitat Valenciana, Carlos Mazón, em lançar o alerta e pedir à população que tomasse medidas drásticas de proteção teve consequências muito graves. Se as pessoas tivessem sido devidamente informadas, não se teriam registado tantas mortes. As chuvas e as inundações teriam sido as mesmas, os municípios afetados teriam ficado igualmente devastados, mas um alerta atempado teria reduzido consideravelmente a tragédia vivida em Valência.
Os motivos que levaram Mazón a cometer um erro desta natureza serão matéria de especulação durante muito tempo. Talvez o presidente valenciano não tenha levado suficientemente a sério as advertências dos peritos em clima, talvez não tenha havido consenso entre os seus assessores e técnicos, talvez não quisesse criar alarme, ou pesasse o interesse em manter a atividade económica; enfim, ainda não sabemos o que aconteceu, mas é difícil evitar a conclusão de que houve negligência com um enorme custo em vidas humanas. Muitas pessoas que levavam uma vida normal ficaram presas ou morreram afogadas antes de receberem o alerta.
Este é um daqueles erros que é impossível apagar. No dia seguinte, Alberto Núñez Feijóo deslocou-se a Valência e fez declarações que não o deixam bem posicionado. Para justificar Mazón, criticou o serviço da Aemet (quando as previsões sobre a gravidade da depressão isolada em níveis altos eram públicas e inequívocas) e tentou desviar a responsabilidade para o Governo central.
Desde então, o presidente Mazón tem tido uma gestão errática e hesitante, com atrasos inexplicáveis na solicitação de ajuda ao Governo central, descoordenação nos serviços de resgate e decisões difíceis de compreender (como anunciar a criação de grupos de emergência quatro dias depois da catástrofe).
A reação do Governo popular em Valência tem precedentes. O PP teve de gerir várias catástrofes e, em todas elas, seguiu um padrão recorrente de conduta. Esse padrão caracteriza-se por uma mistura, em grau variável, de vários elementos:
1. Ocultação de informação
2. Desconfiança em relação aos peritos
3. Incapacidade de admitir erros
4. Politização da catástrofe
5. Falta de empatia e pouco respeito pela população
Durante o segundo mandato de José María Aznar, houve vários casos em que o Governo perdeu completamente o norte. Em 2002, com a crise do Prestige, foi tomada a pior decisão possível: afastar o petroleiro avariado para o mar alto, contaminando grande parte da costa galega. O PP governava tanto a Xunta como em Madrid. Os seus dirigentes tentaram ocultar a dimensão do desastre, recusaram-se a admitir o erro e, além disso, houve declarações incompreensíveis, como a de Mariano Rajoy, então vice-primeiro-ministro, a referir-se aos “fios de plastilina”. Antes, na crise das vacas loucas, a então ministra da Saúde, Celia Villalobos, já tinha deixado todos perplexos com as suas afirmações sobre a utilização de ossos na preparação do caldo. Este tipo de comentários frívolos em momentos de crise desorienta profundamente a opinião pública e contribui apenas para aumentar a inquietação.
A mentira, a incompetência e a falta de respeito pelas vítimas e pelos seus familiares foram as notas dominantes no acidente do Yak-42 em 2003 (62 militares mortos). Para além da polémica sobre as condições penosas em que viajavam os militares, houve uma negligência grave na identificação dos corpos, causando sofrimento às famílias. Algo semelhante ocorreu no acidente do metro de Valência em 2006 (43 mortos): Juan Cotino, então vice-presidente da Generalitat, enganou as famílias das vítimas, pressionou os meios de comunicação para não relatarem a verdade e influenciou o encerramento da investigação sobre a tragédia.
Esta forma de reação atingiu o seu auge após o atentado jihadista de 11-M (192 mortos). Nesse caso, o Governo de José María Aznar mentiu, colocando em primeiro lugar a sua permanência no poder em detrimento das vítimas. Aznar e os seus aliados acreditaram que, se se soubesse a verdade sobre a autoria do pior ataque terrorista em Espanha, perderiam as eleições. E decidiram ocultar a autoria o máximo que puderam. Nunca admitiram a mentira; preferiram incentivar a teoria da conspiração.
Muitos dos traços anteriormente descritos são reconhecíveis nesta primeira semana da crise de Valência. Primeiro, falta de confiança nos peritos e nas entidades públicas encarregadas de lidar com este tipo de situações (críticas à Aemet). Segundo, um erro grosseiro (lançar o alerta quando a situação já estava fora de controlo). Terceiro, incapacidade de admitir erros, optando por uma fuga para a frente. Quarto, falta de informação sobre mortos e desaparecidos, como se a população não estivesse preparada para saber a verdade. Quinto, desviar responsabilidades para o Governo central, quando a competência é exclusiva da comunidade autónoma. E, finalmente, falta de sensibilidade para com as vítimas, como se viu nas declarações da conselheira Nuria Montes (posteriormente corrigidas).
O estranho é que este padrão se repita tantas vezes. Seria de esperar que o PP tivesse aprendido com os erros do passado. No entanto, sempre que surge um acontecimento extraordinário, o Partido Popular volta a cair nas mesmas armadilhas. É evidente que, se não tivesse gerido tão mal as catástrofes, o PP não teria passado da maioria absoluta em 2000 para a oposição quatro anos depois. Contudo, não tiram as lições necessárias, talvez por contarem com um apoio incondicional dos meios conservadores que lhes dá uma falsa sensação de segurança, mas a opinião pública acaba por se cansar de tanta mentira e ineficácia. Às vezes demora, mas este tipo de gestão acaba por ter um custo reputacional e eleitoral significativo.
É nos momentos extraordinários que um partido no poder revela a sua verdadeira natureza. Uma coisa é governar no dia a dia, outra é enfrentar uma catástrofe. Perante as sucessivas catástrofes ocorridas durante os seus períodos de governo, seja a nível regional ou central, o PP tem-se caracterizado por cometer erros importantes de gestão e por evitar a responsabilidade, recorrendo até a informações falsas e manipulação. Parece que estamos novamente no mesmo ponto. A situação atual é muito confusa, e o PP e os meios conservadores já estão a tentar desculpar a Generalitat, desviando a responsabilidade para o topo. O ocorrido no passado domingo, quando a indignação popular se transformou em agressões por parte de membros da extrema-direita, revela uma vontade deliberada de ampliar o caos político. Alguns tentam encobrir os erros cometidos, enquanto outros procuram atingir Pedro Sánchez, o prémio mais ambicionado. Contudo, a origem da tragédia é clara e tem múltiplos precedentes.
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