domingo, 7 de abril de 2024

A Meritocracia é uma Justificação do Sistema



"É um dos grandes cientistas do comportamento, mas Robert Sapolsky não acredita que tenha qualquer mérito. E não diz isso com modéstia, mas com convicção. Este divulgador acredita que o livre arbítrio é uma ilusão, e que não somos mais do que a soma de uma série de fatores que escapam ao nosso controlo.

Sapolsky passou três décadas a estudar babuínos selvagens no Quénia, mas acabou por escrever livros, mundialmente famosos, o comportamento humano. Segundo a sua teoria, esta evolução estava escrita e não teve capacidade de escolha real. No seu novo livro, "Decidido", desenvolve esta ideia recorrendo à neurologia, filosofia e sociologia. Não és tu, não sou eu, é o determinismo. A frase, além de ser a melhor das desculpas, coloca questões morais sobre os conceitos de culpa, castigo, mérito ou esforço. 

Afirma que o livre arbítrio não existe. Como é então formada uma decisão sobre a qual acreditamos ter controlo?

Um comportamento é o produto final do que aconteceu no teu cérebro há um segundo. É a biologia, sobre a qual não temos controlo, a interagir com o ambiente, sobre o qual não temos controlo. A neurobiologia influencia as tuas decisões, assim como a genética, a geocronologia e as ciências sociais. Não é que todas estas disciplinas sejam diferentes, mas tornam-se numa única disciplina.

Então, o facto de ter escrito um livro não dependeu do seu esforço e vontade?

Escrever este livro exigiu muito trabalho, mas consegui fazê-lo e há um "eu" em todo este processo. Mas se realmente parar e analisar, percebo que terminei o livro devido ao tipo de pessoa que sou. E isso deve-se a muitos eventos que estão fora do meu controlo. É preciso muito trabalho para fazer isso e para refutar a crença de que tu ganhaste o que és e outras pessoas não o ganharam.

Tanto que quase ninguém o faz. Porque é que o conceito de meritocracia está tão na moda?

A meritocracia é uma justificação do sistema. As pessoas que têm mais poder são as que têm mais razões para amar e manter esta ideia. Podemos pensar que não faz sentido. Mas, por outro lado, se tiveres um tumor cerebral, queres garantir que sejas operado por um grande médico. É necessário garantir que os trabalhos difíceis sejam realizados pelas pessoas mais competentes. Mas isso deve ser feito sem lhes dizer que são melhores, que merecem estar ali, que o ganharam. O problema com esta ideia é que pode acabar com a motivação.

E pode gerar frustração. Nem toda a gente pode ser um grande médico.

Os Estados Unidos são um exemplo muito evidente disso, porque temos esta mitologia cultural incrivelmente enraizada, a ideia de que qualquer pessoa, se trabalhar arduamente, pode ter sucesso. Qualquer pessoa pode ficar rica se estiver suficientemente motivada. Qualquer criança pode vir a ser presidente. E a realidade é que, se nasceres na pobreza, há aproximadamente 90% de chances de continuares na pobreza quando fores adulto.

Se não existe livre arbítrio, o que acontece com conceitos como culpa e castigo?

Se alguém é violento, é preciso impedir que faça mal, mas isso não significa que seja culpa dele. Em vez de uma prisão, ele deveria ser colocado numa espécie de quarentena. É muito mais fácil olhar para alguém sem educação e sem sucesso e simpatizar e dizer que as circunstâncias o tornaram quem é. Mas se tiveres de olhar para um polícia que acabou de disparar contra um homem desarmado simplesmente pela cor da sua pele, porque num segundo pensou que aquela pessoa que segurava um telefone o estava a apontar com uma arma... É muito mais difícil concluir que é o produto do que viveu.

(entrevista publicada no jornal El País a 22 de Março)

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