Num dos últimos "O Amor é" discutiu-se um artigo publicado na revista Visão intitulado "Porque se escolhe certas pessoas e não outras na hora de ter um ‘caso’ e apeteceu-me tirar algumas notas com a minha parca experiência dessa figura geométrica que é o triângulo amoroso mas baseado também em em tudo que se vai passando à minha volta e nas minhas perceções.
E este é um ponto básico para mim. O ser humano não é naturalmente monogâmico! As pessoas forçam-se a uma monogamia voluntária, tal como os padres forçam-se à abstinência sexual, com os resultados que conhecemos. A verdade é que a ciência descobriu que já nem arganazes são fieis! A ideia de um homem para uma mulher, a invenção do casamento, a monogamia, tudo isso são para mim evidentes construções sociais.
E o mais curioso é que nem sequer conseguimos concordar inequivocamente sobre o que é traição. Se para uns (mais os homens) a coisa é muito simples e trair implica sempre envolvimento físico. Para outros (mais para as mulheres) o simples facto de desabafar mais com a colega do trabalho ou andar a conversar com alguém na net já é traição.
Em que ficamos então? De repente lembro-me do pecado e do que aprendi na catequese que, segundo a visão cristã podemos pecar por pensamentos, palavras, atos e omissões! Se pudermos trair por pensamentos, palavras, atos e omissões, então desculpem lá, mas andamos todos as trair permanentemente! Também o pecado foi uma construção social. Uma mulher bonita era pecado; um ruivo ou um esquerdino (como eu) era obra de Satanás. Tudo era pecado e tudo é pecado para a Igreja. A única coisa que certamente não é pecado é violar crianças, isso não, pois se fosse pecado, os padres que conhecem como ninguém os desígnios do Senhor não o fariam.
Se calhar convém então cada casal definir o que é traição e escrever uma espécie de Constituição com as regras fundamentais da relação. E então se ambos concordarem assina-se o compromisso!
Volto à monogamia. Se o ser humano fosse realmente monogâmico não precisaria de ir jurar (falso) ao altar ou assinar um papel em como ficará com aquela pessoa para o resto da vida, na sua e na doença. Se o ser humano fosse realmente monogâmico teria um parceiro para o resto da vida e nunca o trairia.
A Inês Menezes perguntou ao Júlio Machado Vaz porque procuramos uma pessoa para ter um caso. E eu acho que muitas vezes nem sequer se procura. Muitas vezes simplesmente acontece.
Já agora fazer uma declaração de interesses: eu nunca traí. Pelo menos fisicamente não! Ou pelo menos com outro ser humano não! Sim, porque ainda me lembro de ouvir um "as tuas árvores deveriam morrer". Talvez ela se sentisse traída por causa da atenção que eu dava às minhas árvores.
Não sei se é a sua comédia romântica preferida mas o Júlio Machado Vaz menciona muitas vezes Nothing Hill, tal como menciona Meg Ryan. Já eu menciono muitas vezes Before Sunrise que não é propriamente uma comédia romântica. (e talvez devesse também mencionar mais vezes Eternal Sunshine of the Spotless Mind que de facto é um tremendo filme).
Jason e Celine, protagonistas de Before Sunrise (Antes do Amanhecer) são dois desconhecidos em viagem que se encontram num comboio e creio que eram os dois comprometidos, e se não neste primeiro, mais à frente eram seguramente. E passam o primeiro dia e noite juntos, até ele apanhar o avião para os Estados Unidos...
Eu acho é que há pessoas que intrinsecamente não podem ver um rabo de saia ou um chumaço nas calças. Está-lhes no sangue e podem gostar muito da pessoa com quem estão mas vão andar sempre a pular a cerca. Terão sempre esse comportamento. Tal como há pessoas violentas e agressivas. E quem chega de novo ilude-se e acha que consigo será diferente. Mas não. Será sempre igual. E as traições suceder-se-ão.
E depois há quem, quer esteja numa relação mais ou menos estável ou numa relação mais conturbada e as coisas simplesmente propiciam-se. Muitas vezes nem é preciso andar à procura de nada para as coisas acontecerem. Porque não vivemos isolados do mundo. Não é preciso decidir registar-se no Tinder ou noutra coisa qualquer de engates para as coisas acontecerem. Nós não vivemos isolados.
E, se é verdade que a tecnologia pode facilitar (ainda que as redes agora se tenham tornado verdadeiramente antissociais) há sempre o emprego, e todas as outras coisas que se fazem e onde se podem conhecer outras pessoas. E as coisas do nada podem acontecer. Empatia com alguém no trabalho, e refiro trabalho porque sempre achei que é um terreno fértil, mais até que a internet, para as facadinhas aconteçam. Porque as pessoas estão mesmo lá, não estão noutra cidade e a trocar mensagens pela internet. Por alguma coisa os moteis à hora de almoço estão cheios. Por alguma coisa eu mesmo fui substituído por um colega de trabalho.
No "O Amor é" o professor lembra a vida dos médicos (ele é médico) e até dos enfermeiros. Mas ò professor, não são só os médicos que fazem noite! ou que se sentem próximo do colega de trabalho! Isso é geral! Eu nem imagino o que se passa nas fábricas! Tenho um colega de trabalho que já trabalhou numa e diz-me que aquilo era um grande regabofe!
“É duro de dizer e duro de ouvir, mas os terceiros são muitas vezes usados com muito pouca consideração genuína.”
Mas se é verdade que foi o vértice dum triângulo que rompeu a relação mais longa que tive, é bom não esquecer que eu já tinha sido sido o vértice do triângulo que a tinha levado a terminar a relação que tinha para depois começar comigo. E entre nós nunca se passou nada de íntimo. Bom, excetuando um abraço... Vários abraços marcaram a minha vida. Uns mais suaves, mais intensos ou de partir duas costelas!
Mas no fundo ela replicou o mesmo comportamento oito anos depois. O karma é fodido ou então não, é só, como dizia acima, as pessoas a replicarem quase sempre os mesmos comportamentos. E ela terminou uma relação para começar outra, e isso também demostra integridade (ainda que eu tenha outro tipo de sentimento, bem mais negativo, em relação ao que se passou).
Depois disso, e por mais do que uma vez, acabei sendo ombro amigo, umas vezes mais virtual outras mais próximo de alguém que tinha uma relação. Aconteceu das mais variadas formas mas sempre pela internet, "porque a tecnologia o permite" mas nunca porque, voluntariamente, me quis envolver, fosse lá da maneira que fosse, com alguém que estava numa relação.
Simplesmente aconteceu. De uma vez deixaram-me aproximar demasiado, ocultando a informação que havia outra pessoa lá em casa. Por outra vez eu fui o confidente, o conselheiro... houve um afastamento para coisa de um ano depois, voltarmos a falar e, de repente, estávamos a passar horas ao telefone (a telefonar! e convém esclarecer porque agora para esta malta mais nova falar ao telefone parece que é um bicho de sete cabeças!)... E por último simplesmente aconteceu e saímos um pouco chamuscados emocionalmente e decidimos, ou ela decidiu e eu aceitei, que o melhor seria um afastamento...
Nenhum dos dois se quis envolver. "Sabe, queria esclarecer, eu tenho namorado e amo-o muito". Ela foi extremamente correta e nunca escondeu nada. E eu acho que também fui... "Ainda bem que tem namorado, porque eu também não me sinto nada disponível..." porque vinha eu de um curto mas intenso enamoramento... Se no fundo se calhar talvez nos estivéssemos a querer enganar, não sei.
Há o vício da descoberta do outro. Mais ainda quando nem sequer se conhece fisicamente o outro. Presta-se atenção a outros detalhes... A empatia vai crescendo e ela vai tornando-se parte das nossas rotinas, das nossas preocupações. E, pé ante pé, as coisas vão evoluindo, tomam proporções desmedidas e um dia damos por nós deitados numa mesma mantinha de um parque público, tão próximos que os lábios estão quase a tocar-se E eles querem tanto tocar-se mas não podem...
Que cada casal faça as suas regras e que saiba aquilo que quer. E que tente ser feliz à sua maneira. Porque se não é fácil encontrar e gostar de alguém que também goste igualmente de nós, pode também não ser fácil estar com aquela pessoa de quem se gosta. Por vezes "não basta gostar". As diferenças, os ajustes e as cedências, as rotinas. E o sentimento de posse, o medo de perder, o ciúme... e também porque os casais não vivem numa bolha, isolados do mundo e, quando menos se espera, pode-se entrar num perigoso triângulo das infidelidades.
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