Uma noite. Três mulheres. Vinte e quatro anos. Todas diferentes. Todas especiais. Como especiais são todas as pessoas com todas as suas especificidades diferentes. O reencontro. O interesse desinteressado em simplesmente estar com quem gosta da nossa companhia. E não será a isso que se chama amizade?
O cansaço de mais um dia de oito horas de trabalho. Lavar a loiça. Deitar o lixo no ecoponto. A gata castrada. Bipolar. O banho. A intimidade. O secador. O cabelo oleoso. A roupa de veludo. O frio lá fora. Duas camisolas de manga curta teve de resolver o problema. Uma-por-cima-da-outra. O estacionamento caótico na baixa do Porto numa sexta-feira à noite. O passo apressado. O restaurante turco. A pronúncia impercetível do rapaz ao balcão. Os molhos. O concerto. O lado do Palco. Comer. Sentados tranquilamente em cima do muro da câmara municipal, defronte para o palco. A amiga delas.
"E eu disse: mas o que é que isso interessa? E tu disseste: nada"
Não deveria ter pedido picante no Nº. 2 do menu. A boca a arder.
"Vamos em frente
Olho por olho
Dente por dente
Ó capitão"
O bolo alimentar preso no duodeno. A necessidade urgente de beber. O público. As gentes alternativas. As caras. As mulheres bonitas. Os homens. Os novos penteados. Como gosto de ver a carneirada toda igual. O cão de focinho aguçado e de rabo por entre as pernas. 1,50€ era o preço de uma garrafa de água na tenda da Superbock. Deambular pela cidade. As conversas sobre os edifícios. Sobre o trabalho. É a profissão delas. A exploração. Os maus salários. Pausa. O bar tinha um mocho na porta. Era um Bufo-real. Tinha muitos mais mochos lá dentro. O conforto. A meia luz ambiente. O empregado com barba à Fidel Castro. A confiança no malabarismo com o guardanapo preto que só depois percebi que não era uma base de copos. E como me senti muito mais confortável por pagar 1,60€ por uma água, mas no conforto de um bar onde se pode falar, sem ser aos berros. As conversas interessantes, e o conforto de estar com alguém que pensa como nós. As histórias mirabolantes. Alguém que dá uma esmola a uma pessoa que julga ser um pedinte e é alguém com uma licenciatura. As aparências iludem. Como eu sei que iludem. E como as pessoas gostam de ser iludidas. O porta-velas era um mocho, branco, cheio de orifícios, pequenos losangos por onde passava a luz. O pentagrama. As conversas ao lado. As cortinas a fecharem-se atrás de mim. E tudo acaba quando as cortinas se fecham. A chuva miudinha. A despedida. O regresso muito ensonado a casa. E esta noite foi assim.
Tiago Capião / Pesadelos de Peluche / Mão morta / 2010
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