quinta-feira, 5 de junho de 2025

O Que a Ciência nos Diz Sobre a Força do Corpo Feminino

Crónica de Starre Vartan no jornal Washington Post, autora do livro "The stonger sex", que será publicado no próximo mês de julho:


"Em setembro, Tara Dower tornou-se a pessoa mais rápida de sempre a completar o Trilho dos Apalaches. O seu recorde - 40 dias, 18 horas e 6 minutos - foi 4 dias e meio mais rápido do que o anterior detentor do recorde, um homem. Nesse mesmo ano, Audrey Jimenez, de 18 anos, fez história no Arizona ao tornar-se a primeira rapariga a vencer um título estadual de wrestling do secundário da Divisão 1 — competindo contra rapazes.

Em diversas modalidades, as mulheres não estão apenas a recuperar terreno após gerações de exclusão do desporto - estão a ditar regras. Nas ultramaratonas, as mulheres superam regularmente os homens, especialmente em distâncias extremas. Jasmin Paris, que em 2024 se tornou numa das únicas vinte pessoas a terminar a brutal corrida Barkley Marathons, de 160Km, em menos de 60 horas - enquanto extraía leite materno.

Na natação de longa distância, as atletas femininas destacam-se de tal forma que, dentro da comunidade, os seus recordes já são considerados parte integrante da modalidade. Na escalada, no ano passado, Barbara “Babsi” Zangerl tornou-se a primeira pessoa, homem ou mulher, a fazer um “flash” - escalar sem prática prévia e sem quedas - a imponente formação rochosa El Capitan, em Yosemite, em menos de três dias.

Estes não são apenas feitos atléticos. São mudanças culturais. Especialistas afirmam que estamos finalmente a despertar para o que os corpos femininos são realmente capazes de fazer.

E não são apenas mulheres jovens a abrir novos caminhos físicos.

“Na categoria Masters 70+, acabou de ser estabelecido um novo recorde feminino de levantamento de peso morto”, diz Stacy Sims, fisiologista do exercício que leciona na Universidade de Stanford e na Universidade de Tecnologia de Auckland, na Nova Zelândia. “As mulheres mais velhas estão a demonstrar que ‘sou forte e consigo fazer isto’.”

Feitas para resistir

Normalmente, as discussões sobre “força” têm-se centrado na força bruta e na velocidade em curtas distâncias - qualidades historicamente associadas à fisiologia masculina. Mas resistência, recuperação, resiliência e adaptabilidade são igualmente essenciais para o desempenho atlético. E nessas áreas, a fisiologia feminina apresenta verdadeiras vantagens, segundo especialistas em ciência do desporto, fisiologia humana e antropologia biológica.

O mito da fragilidade feminina é relativamente recente. Durante grande parte da história humana, as mulheres carregavam equipamentos, seguiam presas e caminhavam entre 13 e 16Km por dia - frequentemente grávidas, menstruadas, a amamentar ou a carregar crianças (uma estimativa indica que mulheres caçadoras-recoletoras percorriam mais de 4.800 km nos primeiros quatro anos de vida de um filho).

Essa base evolutiva sustenta os feitos atuais, dizem os especialistas. “Os corpos femininos têm uma resistência superior à fadiga”, afirma Sophia Nimphius, vice-reitora do desporto na Universidade Edith Cowan, em Perth, Austrália.

Teste após teste, os músculos femininos superam os masculinos quando se trata de trabalho repetitivo com pesos mais leves, segundo a investigação pioneira de Sandra Hunter, fisiologista do exercício na Universidade de Michigan. A investigação de Hunter - e outras posteriores - mostrou que os músculos das mulheres se cansam-se mais lentamente, permitindo-lhes realizar mais repetições de forma consistente. Os homens podem começar com mais força, mas quando o treino se prolonga? As mulheres conseguem continuar, por vezes o dobro do tempo, ou mais, superando até os homens mais musculados.

Essa capacidade de resistência deve-se provavelmente ao facto de os corpos femininos utilizarem preferencialmente gordura (de combustão lenta) em vez de hidratos de carbono (que se esgotam rapidamente), tanto em atletas como em pessoas menos desportistas.

Os nossos músculos fazem mais com menos”, diz Nimphius. Para além de usarem gordura para manter o rendimento, as fibras musculares de contração lenta - resistentes à fadiga - são geralmente mais comuns nos corpos das mulheres (embora todos os corpos variem consoante a genética individual). Este tipo de fibra também é mais eficiente do que as de contração rápida, que são mais comuns nos homens.

Recuperação e Resistência

Para além da resistência, vários estudos indicam que as mulheres também recuperam mais rapidamente de treinos intensos, como sprints e levantamento de pesos pesados. As fibras de contração lenta têm, por si só, uma maior capacidade de recuperação, mas a vantagem feminina poderá também dever-se a uma cicatrização mais rápida: um estudo demonstrou que os músculos de ratos fêmea recuperam duas vezes mais depressa (embora estudos com ratos nem sempre se traduzam diretamente em humanos). A razão? Há fortes indícios de que o estrogénio reduz a inflamação e favorece a reparação muscular (uma das razões pelas quais Sims recomenda que mulheres na pós-menopausa recebam treino e apoio à recuperação adequados).

Contudo, alguns estudos indicam que as mulheres são mais propensas a certos tipos de lesões desportivas, especialmente ao nível dos joelhos e ligamentos cruzados anteriores (LCA), embora ainda não se saiba se isso se deve a diferenças biomecânicas, hormonais ou a métodos de treino inadequados.

Alguns investigadores afirmam que as maiores taxas de lesão nas mulheres se devem ao facto de a investigação existente ter sido baseada em corpos masculinos: “Os corpos femininos são diferentes - digo às [mulheres] que os protocolos que estão a seguir não foram feitos para o seu corpo”, diz Sims.

Acredito que há uma força mental, um fator de resistência que ajuda as mulheres a alcançar um estado mental que lhes permite continuar a ultrapassar os limites”, diz Emily Kraus, diretora do Programa de Ciência e Investigação Translacional da Atleta Feminina (FASTR) da Universidade de Stanford.

Um futuro em mudança

Os homens têm, historicamente, definido a força pelas capacidades em que se destacam — como pesos máximos no supino ou tempos rápidos em sprints — mas estas são apenas algumas das formas de medir o corpo humano. Se, em vez disso, focássemos a resistência, a resiliência, a longevidade e a recuperação, a narrativa sobre quem é “forte” teria provavelmente uma forma feminina, dizem muitos especialistas.

Atualmente, as jovens atletas ainda não recebem o mesmo nível de incentivo, treino e atenção científica que os rapazes, afirma Nimphius. A investigação sobre a saúde de raparigas e mulheres, embora lentamente em progresso, continua atrasada — apenas 6% da investigação em desporto e exercício focou exclusivamente corpos femininos, segundo um estudo de 2021.

Tendo em conta todas as vitórias já conquistadas por mulheres, como seria o panorama se a ciência desportiva fosse desenhada à medida da fisiologia feminina em vez de adaptar rotinas criadas para homens? A geração atual de atletas está a desafiar toda a estrutura do desportivismo. Em breve, dizem os especialistas, terão melhor informação para compreender e treinar os seus corpos e isso será verdade tanto para atletas de elite como para quem corre apenas aos fins de semana. Estudos em curso e futuros em ciência do desporto serão “um ponto de viragem para raparigas e mulheres - não só agora, mas daqui a cinco, dez, quinze anos”, diz Kraus. “E isso é verdadeiramente entusiasmante.”


Quatro coisas que os corpos femininos fazem excecionalmente bem

● Tolerância à dor:

Os corpos humanos suportam diversos tipos de dor - desde cólicas menstruais e parto até lesões nas costas e ossos partidos. A dor é subjetiva e difícil de medir, mas a maioria dos estudos concorda com as nossas avós - as mulheres parecem lidar melhor com a dor. Atletas são especialistas em dor, e inúmeros estudos mostram que têm uma tolerância superior à dor em comparação com não atletas — e, entre os sexos, a pesquisa limitada indica que as atletas femininas não diferem significativamente dos seus colegas masculinos, apesar de uma maior sensibilidade à dor. As mulheres são também mais propensas a continuar a competir mesmo lesionadas. Isto deve-se provavelmente tanto à biologia como à experiência, afirma Nimphius. Um estudo de 1981 foi direto: “As atletas femininas apresentaram a maior tolerância e limiar de dor.

● Imunidade:

Entre os mamíferos, incluindo os humanos, é amplamente aceite que as fêmeas têm sistemas imunitários mais fortes do que os machos. Isso deve-se ao poder do estrogénio e também ao cromossoma XX, presente nas mulheres, que confere maior variabilidade na função imunitária. Como escreveu Marlene Zuk, bióloga evolucionista da Universidade do Minnesota, num artigo de 2009: “Não há dúvidas quanto à identidade do sexo mais doente - são os homens, quase sempre. Toda a gente sabe que os lares de idosos têm mais viúvas do que viúvos, mas a disparidade vai muito além dos idosos.” (Há, no entanto, um lado negativo: a maioria dos doentes com doenças autoimunes são mulheres. É o preço de um sistema imunitário agressivo.)

● Resistência:

Os corpos femininos parecem ser mais bem preparados para o longo prazo - menos desgaste, maior capacidade de manutenção, segundo a pesquisa disponível. Os dados sobre exercício a longo prazo sugerem que as mulheres podem pagar um preço mais baixo pelo esforço físico. Por exemplo, a Fundação Britânica do Coração estudou a condição vascular de 300 atletas Masters (com mais de 40 anos), entre corredores, ciclistas, remadores e nadadores. Nos homens, o envelhecimento vascular aumentou - por alguns marcadores até 10 anos, aumentando o risco de problemas cardíacos. Nas mulheres, verificou-se o contrário: tinham sistemas vasculares biologicamente mais jovens, reduzindo o risco cardiovascular.

● Longevidade:

Provavelmente, o teste mais verdadeiro para qualquer corpo é a longevidade. E com raras exceções, independentemente da espécie ou cultura, as mulheres vivem mais tempo. Isso deve-se em parte a fatores comportamentais - os homens tendem a correr mais riscos - mas também a fatores biológicos. As mulheres tendem a sobreviver melhor a doenças, fome e lesões do que os homens. Estudos mostraram que o cromossoma Y, exclusivo dos homens, pode degradar-se ao longo do tempo - um fenómeno conhecido como perda em mosaico do Y. Essa degradação tem sido associada a vários problemas de saúde nos homens, incluindo maior risco de doenças cardíacas e cancro.

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