sexta-feira, 13 de junho de 2025

A Grande Substituição - Para Onde Caminha o Português?

E pensar que há quinze todos pareciam querer defender a língua portuguesa e o grande problema era o Acordo Ortográfico de 1990. Gostava de saber por onde andam agora todos esses defensores. Excertos da reportagem no Jornal de Notícias de domingo passado.


 “Mãe, posso água?”, “mãe, posso pão?”, “eu te amo”, “eu telefonei a ele”. Pode soar estranho hoje, mas talvez, num futuro próximo, estejamos a falar assim. Estes são alguns dos fenómenos que estão a acontecer na língua. A economia da linguagem generalizou-se entre os miúdos, a influência do Brasil é cada vez mais evidente e o inglês está a entrar a toda a velocidade.

“Vivemos numa era muito rápida, as crianças não sabem esperar, há uma grande ansiedade de resposta e encurtam a mensagem, quase como se fosse um chat.” Para isso, acredita, também contribui o facto de os pequenos lerem cada vez menos. “Só leem o que veem em reels e tiktoks, onde a mensagem também é muito abreviada.”

Na sala de aula, de cada vez que os alunos lhe perguntam “posso dicionário?”, a resposta da professora é invariavelmente a mesma. “Queres comer o dicionário?”, questiona. “Se lhes perguntar o que querem fazer com o dicionário, ficam a pensar, têm dificuldade em chegar ao verbo. Perguntando se o querem comer, sendo mais objetiva, resulta melhor.”

Ana Soares, também professora do 1.° Ciclo, tem vindo a travar a mesma batalha com Isabel, a filha mais nova, de sete anos. “Ela teria cinco anos e pouco quando começámos a notar esta omissão dos verbos. Já tinha notado isso na escola, mas em casa não. Ao falar com a educadora e com amigos que têm filhos da mesma idade, percebi que isto começa logo no pré-escolar.” A génese é difícil de identificar, mas há fatores que lhe parecem alimentar a nova tendência. “O facto de atualmente ser tudo muito urgente, é sempre tudo à pressa, tudo muito rápido. Nós próprios, os pais, também vivemos assim e sinto que lhes transmitimos essa urgência.”


“Os alunos de hoje têm muitas dificuldades do ponto de vista linguístico e lexical, têm um vocabulário muito reduzido. Pela primeira vez na vida, não tenho um único aluno que tenha lido ‘Os Maias’. Eles não conseguem ler uma obra tão complexa.”


Curiosamente, diz o investigador, hoje temos até mais palavras do inglês no nosso vocabulário do que do português do Brasil. “E não nos preocupamos tanto. Já usamos a palavra tributo sem ser no sentido de impostos, agora significa homenagem. Usamos realizar no sentido de perceber. Nem nos questionamos.

E é inegável que o inglês está cada vez mais presente. A professora Carmo Oliveira relata até que, nos corredores da escola, já há alunos do secundário a conversarem inteiramente em inglês entre eles, e irrita-se com a subserviência a uma língua que não é nossa. O linguista Marco Neves diz mesmo que “a grande pressão na língua não é do Brasil, é do inglês, que está a ter um impacto muito superior”. Algo que não é novo, o que é novo é ser numa proporção tão grande. “Por exemplo, sabemos que as taxas de leitura em Portugal não são maravilhosas, mas quem lê, lê cada vez mais em inglês.”

Marco Neves não tem medo dos estrangeirismos, a questão é que atingimos um novo patamar. “Não é impossível pensar numa situação em que o inglês começa a ter uma presença tão forte ao ponto de os próprios pais falarem em inglês com os filhos. Podemos chegar a um ponto de substituição. Parece absurdo agora, mas não é tão descabido assim. Claro que o inglês é um grande instrumento de comunicação internacional, mas não como substituição da nossa própria língua.”

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