"E falar... Porque eu acho que as pessoas não falam. E eu tenho sentido isso. Não é só nos casamentos. É nas amizades, com os filhos... Não há essa disponibilidade para escuta. Tudo muito acelerado à procura de não sei quê. Esse lado de cuidar, de regar o casamento vem muito do exemplo que eu tive dos meus pais que eram grandes companheiros e acho que é isso que nos une. Nós somos bons companheiros, cumplices, apaixonados, porque há momentos maus. Qual é o casamento que não tem problemas? Estaria a mentir e quem disser isso está a mentir de certeza absoluta. Todos temos maus momentos, bons momentos, mas há que estar atento a esses maus momentos. "Ui! Isto está aqui qualquer coisa que está diferente. Olha, vamos jantar"? Está tudo bem. Ou da parte de um ou da parte do outro. E eu sou uma pessoa que escuto muito - e eu sei e o Gonçalo muitas vezes diz: "o nosso casamento dura porque tu és uma pessoa muito atenta" - e não há mal nenhum de um lado ser mais atento que o outro. O Gonçalo é extremamente esforçado, mudou muitas coisas na nossa relação e isso também é importante. Nós evoluirmos e crescermos juntos porque eu conheci o Gonçalo e ele tinha vinte e tal anos. Eu casei com 27 e ele com 23. Foi pai com 25, foi pai muito cedo, não é? E eu sempre quis ter uma família. E, de alguma forma, eu também o arranquei para este lado, família, unidos... Eu tenho muito esse lado, se calhar norte de que levo tudo à frente. Ele teve uma educação diferente da minha e eu levei um bocadinho para isso e esta atenção é muito importante nas relações.
E não é só no casamento. É nos amigos Está tudo muito virado para o ego e isto chateia-me, fico desiludida porque eu sou uma pessoa que dou mas que não estou à espera. O problema é que as pessoas depois só vêem aquilo. Estão à espera que a gente alimente os egos e não podemos fazer isso. Um bom casamento é tu dizeres ao teu marido que fizeste porcaria e que isto não é bom, eu não gosto. Ah, mas não gostas porquê? Então eu vou-te explicar. Vamos conversar. Porque agora gosta-se de tudo. Porque se a gente disser que não gosta ou é porque temos inveja ou é porque somos uns ressabiados. E não, não há espírito crítico, não há espírito de reflexão. E isso num casamento tem que existir, sobretudo para nós os dois que somos atores, criadores, trabalhamos os dois juntos... Quem nos conhece nós estamos sempre a discutir mas as discussões são de evolução, construção. O Gonçalo muitas vezes escreve qualquer coisa, mostra-me e eu: "queres a minha opinião sincera"? Sempre. Eu sempre fui verdadeira e sempre fui sincera com ele, com os meus amigos, com os meus filhos. Eu não consigo ser de outra forma. E muitas vezes vezes até sinto que isso vai contra mim.
Hoje em dia não encontras muitas pessoas que sejam realmente e efetivamente sinceras. Isto é muito importante nas relações, a frontalidade e a sinceridade. Porque já se deixou de discutir. Antigamente - pareço uma velha a falar não é? - mas no Porto havia muitos cafés depois do espetáculo em que íamos beber uma cerveja e as pessoas que nos iam ver e falava-se sobre os espetáculos, sobre o que tinham gostado, o que tinham achado, o que tinham sentido. Hoje já não se fala de nada, vai tudo para as redes sociais falar e escrever. E acabou o confronto, os olhos-nos-olhos, que isso é muito importante na vida.
Carla Maciel / Fala com Ela / Antena 1 (a propósito do filme Légua)
Sem comentários:
Enviar um comentário