domingo, 20 de novembro de 2022

O Reencontro 25 Anos Depois



O Torrejon ligou-me e vinte e cinco anos depois continua a chamar-me Satan. 

Parece que ia haver um convívio em casa de um deles. E como dias antes eu até me tinha registado no Whatsapp, então, ele lá acabou por me adicionar ao meu primeiro grupo que depois comecei a ter um cheirinho do que serão os tais grupos de Whatsap que sempre ouvi falar mas que não conhecia. 

Da primeira turma de Electronica Industrial de 1997 éramos dezoito. Nessa altura eu ainda não tinha e-mail nem sequer computador! Haveria de comprar o primeiro computador por duzentos e cinquenta contos com o dinheiro da bolsa de estudo que recebia. Por outro lado em 97-98 eu deveria ser dos melhores clientes dos Correios de Portugal - "onde é que está o Königvs? Deve ter ido aos correios -  isto num tempo em que os CTT eram dos melhores correios do mundo porque ainda pertenciam ao Estado.

Estivemos juntos cerca de três anos. Oito horas por dia em regime de Big Brother com direito a dormirmos, tomarmos banho e pequeno-almoço juntos, durante dois ou três meses na cidade de Lisboa. As nossas idades andariam entre os dezoito e os vinte e cinco anos.

Talvez isto tenha sido uma espécie de recruta, uma tropa, uma guerra colonial sem o uso de armas mas que deixou na memória um tempo em que tivemos que conviver, todos, uns com os outros. E essa ligação fica para sempre. Nomes como Satan, Piri, Pintas, Baguim, Foca Cabeluda, Porca, o Puto,  Barbosa, Casquilho, ou expressões como "eu sento-me onde quiser", ficarão para sempre no arquivo de nostalgia da nossa memória, passe o tempo que passar, ou então, até que o Alzheimer nos separe. 

Em 1997 eu vestia-me de preto da cabeça aos pés. Calçava Doc Martens 365 dias por ano quer fizesse chuva ou calor, usava anéis cavernosos da Alchemy nos dedos, cruzes invertidas ao pescoço e casacos com pentagramas. Gostava muito de futebol e sofria com as derrotas do Benfica e, politicamente, admirava Francisco Louçã. Hoje em dia uso mais alguma corzinha, calço Camport ou Skechers, não vejo futebol, deixei até de ser benfiquista e só tenho olhos para o ténis-de-mesa. Politicamente, continuo sempre a olhar para quem tem menos e para os excluídos, e esses só são defendidos pela esquerda (a sério e não só de nome!) ainda que, tantos anos depois continue a achar que esta democracia que nos rege é uma valente treta que não me representa. Nem sequer é uma democracia de verdade.  

Estou em crer que foi passado dez anos (2012?) que nos juntamos pela primeira vez e jantamos num restaurante do Porto. Ou pelo menos foi a minha primeira vez. E, por acaso não creio que um restaurante seja o melhor evento para se conviver, mas os portugueses dão o cu e três vinténs para comer fora. Ficamos ali emparedados entre um e outro colega, a conversar com o da frente e outro do lado, isto se houver afinidade nas conversas. Depois fazem-se as contas e vai cada um para sua casa. Reunir na casa de uma pessoa ou noutro sítio qualquer aberto, é, sem qualquer dúvida, muito melhor.  

Nesse jantar deu no entanto para saber que o Paulo - que dividiu quarto comigo em Lisboa - tinha estado nas plataformas petrolíferas durante algum tempo e ganho bom dinheiro. Casou com uma tradutora russa e montou a sua própria empresa de recrutamento. Nessa altura, em 2012, eu estava desempregado e não teria muitas coisas interessantes para contar... excluindo, se calhar, a minha vida sexual. Mas isso também não era para eles saberem!
 
Este encontro de 2022 aconteceu na tal casa de um dos colegas, ali junto ao mar, com solzinho ao almoço e ter que vestir o casaquinho a meio da tarde. Ainda perguntei se era para levar alguma coisa, mas só responderam que era para levar fome, ainda que eu ache que se deve sempre dividir as despesas, porque, com mais ou menos, a vidinha custa a todos. Então, para não aparecer de mãos a abanar, resolvi passar numa pastelaria do Olival e levei um bolo para sobremesa e, claro, disse logo que fui eu que fiz!

Cheguei cedo, cumprimentei quem estava e fui conversando com eles. Outros foram chegando depois, com bebidas, claro, enquanto o anfitrião ia andando de volta da churrasqueia e das carnes. 

Folguei em saber que os meus camaradas de curso profissional estão todos bem sucedidos. Todos casados ou juntos e alguns já vão na versão 2 ou 3.0 e a maioria com sucessores ao trono. E quão irónico é pensar que eu, há vinte e cinco anos, era sempre apontado como sendo o primeiro a casar, e devo ser o único ainda solteiro e sem filhos?! 

Outra coisa que notei foi que, apesar do evidente sucesso profissional, que é sempre importante, foi uma certa amargura de alguns perante a vida. Estão muito bem profissionalmente, parecem-me cheios de saúde e têm com quem dormir de conchinha na cama (e há quem não tenha conchinha nem saúde) mas depois senti-os mais revoltados do que eu quando estava na adolescência. Estranho isso. Talvez seja um problema da sociedade, cada vez mais acelerada, e sem tempo para o que é verdadeiramente importante, que raras vezes é aquilo que as pessoas dão mais importância. 

A vida é feita de opções. Depois do 12ºano eu tinha uma proposta de trabalho aqui para a central da freguesia. Na verdade não sei se ficaria, provavelmente talvez ficasse. E talvez hoje ganhasse bem mais dinheiro ao fim do mês ou talvez não me adaptasse e já estivesse a fazer outra coisa qualquer. Mas não tenho dúvidas, se tivesse optado por ter ido logo trabalhar, não teria conhecido as pessoas que conheci, não teria o melhor amigo que tenho nem todas as outras pessoas com quem me relacionei desta ou daquela maneira. Tudo seria diferente. Muito provavelmente não teria os blogues e não estaria agora a escrever. 

Mas como já me tinha comprometido com esta formação técnica de três anos, que, no meu entender, foi de muito boa qualidade, optei mesmo por fazê-la. Fi-la e durante três anos vivi com estas pessoas. E foi muito bom voltar a revê-los (ainda que nem todos tenham estado presentes). 

Sem comentários:

Enviar um comentário