Gostei muito do último Fala com Ela, uma conversa de Inês Meneses com Gregório Duvivier, a propósito do espetáculo que veio fazer a Portugal com o seu amigo Ricardo Araújo Pereira.
Uma conversa muito interessante em que o comediante da Porta dos Fundos aborda a sua vida pessoal, do que mudou desde que foi pai há três e falou também das diferenças que encontrou em Lisboa.
Sentes que algo mudou cá?
Mudou. Uma invasão bárbara de visigodos, alemães, franceses. Todo lugar novo que abriu tem "The" na frente. "The Prego", "The Tasca". Eu entro e as pessoas falam "Hello". Coisa estranhíssima. Não entendo isso.
Sendo uma espécie de ativista, falou também, da realidade política brasileira. Do inferno que tem sido o Brasil, desde o impeachment de Dilma, à eleição de Bolsonaro, aos seiscentos mil mortos de brasileiros por causa da pandemia.
No Brasil, 90% da população adulta já se vacinou. Contra um presidente que disse que a vacina COVID provocava SIDA. É um ótimo indicador que a população brasileira não embarca mais nesse barco.
A maioria da população vê a prisão de Lula como injusta. Mesmo os que não gostam dele.
A perseguição que fizeram ao Lula, tão desprovida de direitos transformou-o num mártir. Deu-lhe uma sabedoria que ele talvez não tivesse. Ficou um ano na prisão e acho que leu uns 50 e tal livros. Ele sai maior da prisão dele.
É também muito enternecedor ver como Gregório, estrela de um país gigante como o Brasil mostra-se sempre extremamente humilde e elogioso com Ricardo Pereira:
"Não dá nem para encher o saco dele (para fazer mais espetáculos em Portugal). Ele não tem rede social. Das coisas que mais admiro nele".
Mas no fim do programa, quando Gregório falou do seu mais recente livro "Sonetos de Amor e Sacanagem", lembra que a palavra "lamechas" não existe no Brasil.
A Inês Meneses reflete que nós portugueses temos um problema com as demonstrações de afeto. Gregório concorda que os portugueses têm um problema a falar do amor, acham "piroso", outra palavra que não tem no Brasil.
Ironicamente, no Brasil, gastam-se as palavras e fala-se "eu te amo" a torto e a direito. Ama-se tudo, qualquer coisa. E isso sim já está a ser importado por nós. "Eu amo esta saia, este filme, este carro". Ama-se tudo e, depois, as palavras ficam gastas.
E como é que quando se diz "eu amo" a torto e a direito, depois damos importância quando o ouvimos estando numa relação amorosa?
Gregório remata com o poema de Eugénio de Andrade "As palavras estão gastas:
verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um
aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Olá bom dia !
ResponderEliminarMuito bonito e realista.
É verdade que a palavra AMAR deveria ser usada unicamente para exprimir emoções e sentimentos, e é triste que tenha vindo a ser tão banalizada.
Também tenho muita pena que a palavra AMIGO esteja a ir pelo mesmo caminho. Veja só, eu considero meus Amigos as pessoas que frequentam a minha casa, com quem eu posso tomar um chá ou com quem eu posso contar em todos os momentos (bons e menos bons, de dia como de noite). No dia de hoje é comum ouvir "o meu amigo do Facebook", isto simplesmente choca-me, o que é feito daquela amizade construída com carinho ? :)
Uma boa semana!
É verdade! Aliás, ainda por estes dias tive uma discussão sobre isso, sobre como a palavra "amigo" está a ser desvalorizada. Se o amor passou a designar o gostar de algo fútil, o amigo passou a ser um conhecido qualquer que nos pode ser útil em determinado momento. E depois dizem-me que eu é que dou um significado exigente às palavras. Não! As palavras querem dizer aquilo que querem dizer, e não aquilo que as pessoas querem que elas signifiquem! Que arranjem outras! Bom feriado!
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