segunda-feira, 5 de março de 2018

Ferraz: As Pessoas Querem Trabalhar, Não Querem é Ser Escravas dos Patrões

Há duas semanas Ferraz da Costa, conhecido por ter sido, aos 34 anos, o "patrão dos patrões", fazia a capa do Jornal I, e podia-se ler o título: "As empresas não conseguem contratar porque as pessoas não querem trabalhar". 

Isto é não é nada de novo. Alguém que nunca teve dificuldades na vida, que nasceu numa bolha onde até se pode escolher a empresa para onde se quer trabalhar, venha chamar os outros de piegas, malandros ou pior.

Mas em primeiro lugar eu gostaria que me explicassem, que o Ferraz explicasse, como é que, entre 2011 e 2015, segundo o INE, cerca de 500 mil portugueses emigraram, indo à procura de melhores condições de vida, condições essas que não encontravam no seu próprio país. Ora bem, seguindo a lógica do Ferraz, como os portugueses são malandros e não querem trabalhar, então, emigraram para outros países para continuarem a ser malandros e a não fazer nenhum! Mas que puta de lógica é essa? 

Depois, eu gostaria que o Ferraz explicasse muito bem, como é que só os patrões portugueses se queixam dos trabalhadores portugueses. É que, nos países de destino, os emigrantes portugueses são conhecidos por serem bons trabalhadores e garantia de produtividade. Então espera lá. Cá, no seu próprio país os portugueses são malandros e não querem trabalhar, mas emigram para o estrangeiro e, em vez de continuarem a não querer fazer nada, como que por milagre trabalham muito e bem! 

Eu vou fazer um desenho. Os trabalhadores portugueses são os mesmos. Mas o que muda são os patrões. Então onde é que está o defeito Ferraz?


Ferraz, eu até te vou dar dois exemplos que, nem de propósito, acompanhei bem de perto na semana que passou. Duas pessoas, uma à procura de trabalho, a outra que, apesar de já estar a trabalhar, procura um trabalho pós laboral para ganhar mais algum dinheiro. 

O primeiro caso é de uma uma amiga minha. Acabou o curso e teve ofertas de trabalho na sua área no grande Porto. O salário que lhe ofereciam? Era o salário mínimo para um tipo de trabalho que é altamente especializado! A mesma oferta mínima que dá para qualquer trabalho indiferenciado que não precisa de qualquer formação. Só que o salário mínimo mal chegava para pagar o aluguer da casa onde estava e para comer. Não dava para mais nada! Então o ela que fez? Voltou para a sua terra natal, onde pretendia arranjar um trabalho que lhe permitisse ir juntando algum dinheiro para ir comprando alguma maquinaria para montar o seu próprio negócio.

Enviou dezenas de currículos para tudo e mais alguma coisa. Ela queria era trabalhar e ganhar algum dinheiro, mesmo que fosse o salário mínimo. E na sua cidade natal, na casa da mãe não tinha que pagar o aluguer de uma casa. E de tanto currículo enviado chegou uma oferta de trabalho para ficar "à experiência" num restaurante da cidade. Ia ganhar o salário mínimo mesmo tendo que trabalhar 11-12 horas às sextas-feiras e sábados e teria ainda de trabalhar aos domingos! Tudo isto por um salário mínimo! É espetacular não é?

Mas só lá trabalhou uma semana. Nem sequer lhe deram qualquer contrato a assinar. Mas afinal parece que as outras pessoas que lá trabalhavam também não tinham qualquer contrato de trabalho. Tudo na paz do senhor! Ela saiu porque começou a odiar aquilo. A forma como era tratada, quase humilhada por vezes. Pressão e mais pressão. Veio-se embora. Ligaram-lhe de novo no sentido dela mudar de ideias. Ela não mudou. Ela quer muito trabalhar sim, mas não quer ser escrava. 

O segundo caso duma colega de trabalho. A minha colega, junto de pessoas conhecidas, arranjou o contacto de uma padaria/pastelaria onde pretendiam contratar um serviço de limpeza diário. Seria um trabalho para três horas diárias e ela viu ali a oportunidade de, por um lado ganhar um dinheiro extra, que dá sempre jeito, e por outro, quem sabe, a oportunidade de começar a trabalhar por conta própria, até porque tem a ambição de, um dia, quem sabe ter um negócio seu, e pode muito bem passar por uma empresa de limpezas.

Chegada lá, indagou o patrão sobre quanto é que ele pretendia pagar à hora por aquele serviço de três horas diárias. O senhor disse-lhe que tinha pensado em 2,75€ à hora!! Portanto, ela sairia da minha empresa, ia-se deslocar para este segundo local de trabalho para, ao fim de três horas de andar a limpar, que é um trabalho desgastante, e ganhar essa exorbitância de 8.25€!!! Parece que o senhor não queria gastar muito dinheiro. Pois é... mas se não quer gastar dinheiro então que limpe ele! Assim não gastaria qualquer dinheiro, era só poupar!

Sabes Ferraz, os portugueses querem muito trabalhar até porque o dinheiro não cai do céu para aqueles que não tiveram a sorte de serem filhos de pais ricos. E as pessoas precisam de dinheiro para comer. As pessoas querem muito trabalhar mas não querem é ser escravas dos patrões. 

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