Mas eu conseguia ouvir bem ao longe que aquilo não era mesmo para mim! E pé ante pé, fui-me afastando e acabei por ir até ao pequeno parque de merendas onde tinha um campo de futebol de cinco. Os putos, três da terra, e outros três que tinham ido connosco, andavam por lá a jogar e fiquei a vê-los. Geralmente nestas idades nunca ninguém consegue explicar aos miúdos o que é o futebol: um jogo com duas equipas mas só com uma bola e em que o objetivo é passá-la, de jogador em jogador, até consegui-la enfiá-la por entre os postes. E os putos fazem o oposto, em vez de fazerem a bola correr, correm feitos malucos com ela nos pés. Até a perderem. Para fazerem isso, deveriam inventar um outro jogo, em que cada um jogava com uma bola.
Um dos putos da equipa da terra, acho que era o mais alto, mexia-se com os tiques do Cristianinho. Talvez seja normal. Eu não via putos a jogar há muitos anos, mas os putos imitam sempre os ídolos. Talvez hoje os putos joguem todos a imitar o Cristianinho. Eu por exemplo, tinha a mania de me movimentar como o Caniggia, ou o Poborsky ou o Kulkov...! Bom, isto depois de me ter passado aquela fase de querer imitar o melhor guarda-redes do mundo.
Passado um bom bocado chega uma mulher do nosso grupo, e que fiquei a saber que era mãe de um dos putos. Talvez seja mais ou menos da minha idade. Baixa, cabelos pelos ombros, pintados, talvez entre o loiro e o cor-de-laranja. Facilmente a identifico só pela voz grave e anasalada como a da Sónia Tavares. Ela ficou uns metros à minha frente sentada noutro banco. Eu continuava também sentado, sozinho, a observar os putos, mas agora mais interessado em observar a mãe. A mãe ia dando instruções. Fazia comentários. Até que a mãe foi também jogar e foi para a baliza. E as regras subitamente mudaram: "se alguém chutar de força leva vermelho".
Mais adiante, lá ao fundo, depois do campo de futebol, tinha saído o grupo de pessoas que por lá tinha estado à sombra. E passado um bocado um puto que passou por lá achou um telemóvel ou televisor. Os telemóveis agora são quase do tamanho dos televisores. Longe vão os tempos em que os homens competiam para ver quem o tinha mais pequeno. O Adulto dizia-lhe que ele ia fazer alguém feliz, alguém que já poderia ter dado conta que tinha perdido o telemóvel. Mas ainda assim o puto advertia "Se não for de ninguém fica para mim"!
Nos dias de hoje não sei qual seria a percentagem de crianças que, achando um telemóvel que mais parece um televisor o iria entregar. Se calhar estou a partir de um princípio negativo, é possível, mas ainda assim, o puto marcou uns pontos, ou melhor, as pessoas que o educaram a entregar o que não é dele marcaram pontos.
E foi só mais um dia a anti-socializar por aí.
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