domingo, 1 de maio de 2016

Até em italiano lhe escreveu

Por estes dias remexia no meu e-mail, que apesar de ter um mínimo de organização com pastas com nomes das pessoas com quem troco correspondência e com outros tópicos de interesse para onde envio e arrumo os e-mails importantes, mas achei que ter mais de três mil mensagens na caixa de entrada já era um bocadinho desarrumação a mais! E vai daí, começo logicamente pelos e-mails mais antigos, com cerca de cinco anos, e começo a apagar ou a arrumar para o sítio correto ou a criar outra pasta para o efeito. E de repente tropeço num e-mail meu, daqueles que por vezes envio para mim mesmo com qualquer coisa para tomar nota. Abro e verifico que se tratam de mensagens que foram escritas num fórum, onde estive registado e participei muito ativamente durante cerca de um ano. Estas mensagens foram escritas - supostamente - por uma mulher, que perante o choque que teve na sua própria relação, decidiu desabafar anonimamente e auscultar as opiniões alheias para no fundo tentar perceber o que lhe aconteceu.

Estavam casados há 10 anos, com 2 anos de namoro, são 12 anos de relação ao todo. Ela confiava piamente nele, apesar de ser uma pessoa que não tem por si só feitio de desconfiada, ele também nunca lhe deu motivos para o ser. Até aquele fatídico dia.

Ele sempre foi contra internet e redes sociais, até porque ela sempre adorou blogs e tinha uma certa tendência para começar a sonhar, através da escrita dos que escreviam os blogues, com príncipes encantados. Ela gosta de falar de almas e há muita gente na internet que gosta de falar de almas e ela teve um amigo virtual assim. Que lhe falava de almas.
Ele soube do amigo com alma e fizeram um pacto, que a partir daquele dia nenhum deles se ligaria a redes sociais nem teria emails pessoais sem o outro saber, por uma questão de transparência entre os dois. Ela achou muito bem e alinhou no que ele lhe explicou.

Até aquele fatídico dia, em que ela lhe pediu o portátil emprestado. Aí, por acidente, descobriu que ele tinha um email pessoal que ela desconhecia, e ele negou. Em que ela, por acidente, descobriu que a página mais visitada por ele na net era o Facebook de um outro ser feminino, que ele negou. Tudo ele negou então ela sozinha descobriu que ele tinha uma relação platónica com uma colega de trabalho, mas de uma outra cidade, há praticamente 2 anos. Nunca se tocaram mas trocavam palavras carinhosas e elogios e desejos e vontades e desabafos.
Falaram-se também durante esses dois anos ao telemóvel, a darem-se ânimo mútuo para prosseguirem os seus dias.

Ela ficou estupefacta.
Ele nem era do tipo romântico.
A outra era até muito mais feia que ela, a quem ele dizia que era bonita e atraente.
Dois anos de mensagens trocadas dá muito para ler.
E ela ficou a pensar..mas que raio poder-se-á ter passado aqui?
E decidiu escrever num fórum sobre a forma de um qualquer anonimato. Para ver o que diziam os outros sobre o assunto.




Parte II

Apesar dos 12 anos de relacionamento, e antes que opinem com os habituais clichés do romance que desaparece, o fastio, a falta de jantares.., fiquem a saber que não é nem nunca foi o caso nem desculpa para eles. Sempre namoraram, tinham e têm uma vida íntima muito boa, saem os dois em programas românticos. São inclusivamente daqueles casais que os outros e, mais importante, eles próprios, acham um modelo a seguir.
Ele é um homem atraente e ela sabe-o. Ele não deixou de fazer a barba nem se tornou batata do sofá.
Ela é uma mulher bonita e não engordou os tais 20 quilos, nunca se desmazelou.
Não há aqui os erros os quais costumam, aqui no forum, acusar os outros.
São pessoas que se cuidam e mesmo casadas nem uma nem outra se desleixou.

Em solteiros ele namorou com uma rapariga a quem traiu mil vezes.
Ela namorou com um rapaz a quem traiu e que a traiu a ela.
Sim, foram miúdos de cidade bem vividos, não podem dizer que não tiveram uma adolescência em pleno.

Assim, ambos foram para este casamento preparados, já sabiam como fazer tudo bem pois ambos já o tinham feito mal. Quando se casaram foi porque quiseram. Escolherem bem a pessoa.

Amam-se e a relação não acabou. É uma fase dizem um ou outro, tristemente.
Mas, quando ela está sozinha com os pensamentos, o que acontece muitas vezes, vê os poemas que ele escreveu para a outra em Italiano com a ajuda do tradutor Google e apetece-lhe dar-lhe um tiro.
Vejam lá que até em Italiano escreveu.


Colocando-me no lugar desta pessoa acho que consigo perceber a sua desilusão e a raiva para tentar perceber o que se passou. Ao que parece não existe aqui propriamente uma traição mas sim uma enorme perda de confiança. Ela diz-nos que se amam e que isto não foi motivo para a relação terminar. E ainda bem. Mas conseguiremos nós amar e estar confortáveis numa relação com alguém em quem já não confiamos? 

Este exemplo revela bem como pode ser tortuosa a cabeça das pessoas. Ele dizia não gostar de redes sociais e blogues, mas pelo que parece, só não gostava porque ela gostava, e essa poderia ser uma via para conhecer outros homens. E então achou que o melhor mesmo seria propor um pacto: não mais interagirem com ninguém via Internet e dessa forma ela já não iria falar com outros homens que tivessem os mesmos interesses que ela. E como se isso fosse resolver o que quer que seja! Mesmo que quiséssemos, nós nunca controlarmos totalmente outra pessoa, e não é a impedi-la de ver o mundo que as coisas não vão acontecer, se tiverem de acontecer. 

A beleza do amor não está em fugir com a pessoa que gostamos para uma ilha deserta e ali ficarmos para o resto da vida bem longe de toda a gente e longe de todas as tentações possíveis e imagináveis! Eu acho que é precisamente ao contrário. A beleza está em, com o passar dos anos, e contactando com toda uma série de pessoas, até mais bonitas, inteligentes, cultas, seja o que for, percebermos que continuarmos a querer ficar ao lado da mesma pessoa, não por conforto, mas tão simplesmente porque sim, porque é ali junto daquela pessoa que nos continuamos a sentir bem. Essa é a beleza do amor. Apesar de sermos sempre livres, de não pertencermos nem sermos proprietários de ninguém, e de podemos olhar para outras pessoas,  continuarmos só ter olhos para a mesma pessoa. 

Eu sei que é sempre muito confortável estar no papel de crítico ou analista, julgando pessoas que nem sequer conhecemos. Temos sempre o nosso próprio exemplo. Basta nos olharmos ao espelho. Mas é muito criticável sermos hipócritas e desonestos. E é isto que me desilude verdadeiramente nas pessoas. A falta de honestidade, o jogar permanentemente, como se o amor fosse um jogo individual em vez de ser jogado a duas mãos. O agir secretamente de determinada forma só para atingir certos fins egoístas. É o atirar a pedra mas esconder a mão. 

Se não somos honestos com a pessoa que - supostamente - mais amamos, vamos então ser honestos com quem? E connosco - será que somos honestos? Ou vivemos uma vida a fingir ser quem gostaríamos de ser?

2 comentários:

  1. Uma relação sem honestidade não é relação...
    E este texto dá para várias pessoas lerem e reflectirem!
    Como já te disse, quando uma pessoa está numa relação e começa a conversar com um desconhecido/a na internet e esconde do/a companheiro/a.. (mesmo que a conversa até nem tivesse maldade e fosse só "na base da amizade", como me disse uma pessoa no outro dia!) é porque a relação muito provavelmente já deu o que tinha a dar..

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    1. Olá Sofia,
      Gosto sempre de receber os teus comentários;)
      Eu não diria que uma relação sem honestidade não é uma relação, até porque há muitos tipos de relações! Mas acredito é que haja pouquíssimas relações, em que ambos, e sublinho ambas as pessoas joguem totalmente limpo. Não acredito que haja muitas.
      Meio mundo está numa relação como se de um apartamento se tratasse. E mal tenham oportunidade mudam para outro apartamento mais conveniente.
      E sem dúvida que isto dá para refletir. Olha que eu mesmo refleti acerca do que tem sido a minha vida, e quem sabe se um dia destes isso dará origem a mais uma posta aqui no blogue.
      Eu mesmo já estive no papel do "outro" que começou a receber "poemas em italiano" por parte de uma pessoa comprometida (sem saber que o era) que fui conhecendo na internet, mas os contornos foram mesmo muito complicados, e no fim de contas talvez ambos tenhamos crescido com aquele amor platónico...
      Mas não concordo totalmente contigo porque nem sempre é tudo assim a preto e branco. E repara, também já estive no papel daquela pessoa que alguém conhece, que é totalmente honesta e diz o que se passa ao companheiro, mas também não foi por a pessoa ter sido totalmente honesta que anos mais tarde essa pessoa acaba mesmo a namorar comigo. Mas ninguém planeou nada disso. Eu não me deixei conhecer - foi a outra pessoa que me abordou - para me fazer ao bife... e nunca houve nenhum gesto de desrespeito de ambas as partes. Aliás, se há coisa que me considero, é respeitador, olha, como se calhar pouca gente imaginará. Mas nem tudo o que parece é ;)
      Mas depois também não é por estarmos numa relação de fidelidade, que temos de vestir uma burka e deixar de falar com quem quer que seja. Porque uma relação de amor tem também de ser essencialmente uma relação de confiança. De respeito sim, mas também de confiança. E a confiança demonstra-se tendo liberdade, não se demonstra quando o casal vive diariamente cheio de fantasmas e proibições.
      Agora sem dúvida que as pessoas devem ser honestas. E aqui no caso do texto, este senhor não teve um comportamento minimamente aceitável, porque foi ele mesmo que propôs o acordo, o acordo que ele provavelmente nunca teve intenções de cumprir. Não teria sido melhor para todos, que ele tivesse "deixado" a mulher conversar com o amigo que lhe falava de almas, e ele pudesse falar com a colega de trabalho que nunca viu? Porque não a mulher até levar o amigo lá a casa? E ele levar a amiga?
      Por que é que as pessoas acham que mal entram numa relação têm de se fechar do mundo e só se lembrar do mundo do mundo e dos amigos quando se separam e ficam sozinhos? É que afinal fecharam-se também parece que não está a resultar. Toda a gente se está a separar!

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