Uma coisa que ouço frequentemente no trabalho é "porque a tua geração isto" ou "a tua geração aquilo". entre pessoas que distam dez anos de diferença! Mas faz algum sentido segmentar as pessoas desta forma? Isto tem algum fundo de verdade científica - os baby boomers são assim e a geração Z é assado - ou é uma coisa tão rigorosa quanto o horóscopo astrológico da revista sobre o que nos irá acontecer na próxima semana?
No fim de semana passado o jornal espanhol El País trazia uma reportagem muito interessante sobre o tema e aqui deixo o artigo traduzido para melhor elucidar quem por aqui passar:
"Todos começámos a pesquisar no Google a palavra millennial por volta de 2012 para descobrir se fazíamos parte do grupo. A designação surgiu pela primeira vez em 1991 no livro Generations, dos escritores e consultores norte-americanos Neil Howe e William Strauss, mas na altura não teve grande repercussão. Segundo o Google Trends, as pesquisas do termo começaram timidamente em 2005 e atingiram o pico máximo em 2013. Hoje os millennials são alvo de paródias na internet, mas na altura eram sociologicamente muito atraentes. Em menos de uma década foram destronados pelos zetas, que já são seguidos de perto pelos alfas, e que dentro de alguns anos serão substituídos pelos betas, bebés nascidos a partir de janeiro de 2025.
Antes dos millennials vieram os X e, muito antes, os boomers e a geração silenciosa. Fora do mundo académico, pouco se prestava atenção a estas classificações, mas desde que o tema entrou na cultura pop, sociólogos e demógrafos receiam que se esgotem todas as letras do alfabeto se continuar a moda de rotular uma nova coorte geracional aproximadamente a cada dez anos.
“O primeiro erro é acreditar que o X da geração X se refere à letra do alfabeto”, explica Oriol Bartomeus, politólogo e diretor do Institut de Ciències Polítiques i Socials (ICPS), ligado à Universidade Autónoma de Barcelona, acrescentando: “Na verdade, esse X representa uma incógnita. No seu livro Generation X (1991), Douglas Coupland descrevia uma geração sobre a qual se sabia pouco ou nada. A partir daí, continuar a nomear as gerações com as letras consecutivas do alfabeto foi uma tolice monumental”, diz o professor, que, em conversa telefónica, se confessa “muito anti-segmentação geracional”. Na sua carta, Cohen também ridicularizava o uso das letras e denunciava que o esquema geracional se tinha tornado “uma paródia”. “Aparentemente, com a geração Z chegámos ao fim do alfabeto — isto vai continuar eternamente?”, questionava.
Em 2023, o prestigiado centro de investigação concluiu a sua reflexão. O seu presidente, Michael Dimock, publicou “as cinco coisas a ter em mente quando se ouve falar de geração Z, millennials, boomers e outras gerações”. São elas: “As categorias geracionais não têm definição científica”; “induzem a estereótipos e simplificações excessivas”; “as discussões sobre gerações tendem a acentuar as diferenças e não as semelhanças”; “as visões convencionais sobre gerações podem criar um viés a favor das classes altas”; e, finalmente, “as pessoas mudam com o tempo”.
Philip Cohen concordou, por correio eletrónico, com estas conclusões e com a promessa do Pew Research Center de que “o público não deve esperar que as novas investigações usem a lente geracional. Só falaremos de gerações quando isso acrescentar valor aos debates e dar significado às tendências sociais.” Para o professor da Universidade de Maryland, o debate está ultrapassado: “Já não é relevante; simplesmente não devemos usar essas estratificações porque não fazem sentido”, afirma de forma categórica.
Bartomeus admite que não há “unanimidade académica” quanto à definição das gerações e explica que há duas escolas principais: a que defende que há uma geração por década e a mais clássica, representada por Ortega y Gasset, que considera que há um salto geracional a cada 30 anos. Um modelo menos rígido define as gerações de acordo com os acontecimentos históricos e sociais que cada uma viveu. Como explica Bartomeus, autor de El peso del tiempo: relato del relevo generacional en España, “em Espanha haveria uma divisão natural em 1975 entre a geração pré e pós-democracia; na Europa de Leste, em 1989, com a geração pós-Muro de Berlim; e em quase todo o mundo ocidental, em 2008, com os nascidos após a crise financeira que destruiu o pacto social e fez ruir a armadilha da meritocracia”.
Entretanto, os zetas ganham força na internet, parodiam a “pausa millennial” (aqueles segundos de hesitação antes de gravar um vídeo, que denunciam quem não nasceu com uma câmara na mão) e popularizam o “ok boomer”. Agora, vivemos um amargo confronto de acusações: os zetas culpam os boomers pela sua precariedade económica. “É verdade que é a primeira geração do declínio, que está a assistir ao desmantelamento da classe média e sente que lhe roubaram a carteira - mas é enganador dizer que a responsabilidade é geracional”, contrapõe Bartomeus. Para os especialistas, o pior da hiperfragmentação etária é que alimenta uma guerra entre gerações e desvia a atenção de problemas estruturais como o preço da habitação ou os baixos salários, que afetam diretamente o nível de vida.
A teoria de Cohen é que as etiquetas cristalizam a experiência de milhões de pessoas muito diferentes. Haverá quem resista ao estereótipo, mas outros esforçar-se-ão por se encaixar nele e reforçar o sentimento de pertença a um grupo. Como explica por telefone Almudena Moreno, socióloga da Universidade de Valladolid, a internet é replicante e muita gente acaba por acreditar que, se pertence à geração X, é apática; se é millennial, é narcisista e adora tostas de abacate; e se é zeta, deve pagar com gosto seis euros por um café de especialidade. “Estas etiquetas não nascem da sociologia, mas sim das necessidades do marketing de fragmentar o mercado e levar as pessoas a consumir produtos conforme a idade”, reflete.
No seu livro de 2021 The Generation Myth, o politólogo Bobby Duffy sustenta que o mercado tem interesse em exagerar as diferenças geracionais para poder oferecer uma solução. Duffy, professor no King’s College de Londres, escreve por correio eletrónico que existem mais desigualdades dentro de uma mesma geração do que entre duas gerações distintas. O exemplo são os millennials que herdam e os que não herdam. Segundo um artigo da revista The Atlantic, quando a esperança de vida era mais curta, a divergência entre quem herdava e quem não herdava ocorria muito cedo e determinava o rumo de toda a vida — uns e outros raramente se cruzavam. Hoje, um fenómeno típico do século XXI é que dois amigos vivem de forma idêntica até à meia-idade; depois, um deles herda, os planos divergem e as vidas afastam-se. Ambos continuam a ser millennials, fãs de tostas de abacate, mas agora um é rico e o outro não. E essa distância, que não é geracional, parece intransponível.
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