domingo, 27 de dezembro de 2020

A Luta de Classes e o Ódio às Minorias nas Pequenas Coisas do Trânsito


Patrões, trabalhadores, ricos, pobres, capitalistas, anarco-sindicalistas, homens, mulheres, brancos e pretos, esquerda e direita... No fundo em bom português "cada um puxa a brasa à sua sardinha". Mas há coisas muito simples de observar para vermos como as pessoas não se sabem colocar no lugar dos outros e ostracizam sempre o mais fraco. 

Olhemos, por exemplo, para a estrada. Já percebi só de ouvir os colegas e pessoas à minha volta falar, bem como lendo o que se escreve nas redes sociais o quanto os portugueses em geral odeiam os ciclistas. Porquê? Há alguma coisa racional nisto tudo? Se calhar ainda diz muito do país atrasado, ou do pensamento atrasado que ainda temos, ao contrário de muitos países da Europa onde o uso da bicicleta é visto como algo muito positivo, onde até se criam faixas só para bicicletas (como na imagem) enquanto, pelo contrário, o uso do carro é demonizado. 

Fazer ciclismo, seja de lazer como eu e muitos portugueses fazem, seja de forma mais profissional com bicicleta de estrada, a verdade é que é uma prática saudável, que faz muito bem ao corpo e além dos benefícios para a saúde evita gastos com o SNS (que somos todos que o pagamos), mas também, e não é nada de desprezar, é uma prática amiga do ambiente porque não poluiu. No entanto as pessoas odeiam os ciclistas. Faz isto algum sentido?

Não, não faz. As pessoas odeiam os ciclistas como odeiam os pretos, como infelizmente ainda muitos homens odeiam as mulheres, como muita gente odeiam os estrangeiros, ou as pessoas que têm tatuagens, que têm os cabelos compridos, que fazem swing, no fundo, odeiam tudo o que é diferente delas.

Eu ando todos os dias de carro. Mas também uso a bicicleta. E morasse eu mais perto do emprego que certamente iria trabalhar de bicicleta. Quero com isto dizer que estou nos dois lugares. Se calhar quem critica os ciclistas não anda de bicicleta. Mas se calhar, se dum de um dia para o outro os brancos ficassem pretos se calhar entenderiam melhor o racismo. Se calhar se os homens de um dia para o outro virassem mulher, se calhar, entenderiam melhor a discriminação e assédio que as mulheres são alvo. Se calhar, se  também andassem de bicicleta na estrada perceberiam o perigo que é levar uma razante de um carro, e prestariam mais atenção sobre as notícias a dar conta das dezenas de mortes de ciclistas nas estradas portuguesas, vidas que se perdem de forma estúpida, simplesmente causada pela irresponsabilidade de alguns assassinos ao volante. Se calhar, se também andassem de bicicleta nas estradas não se punham a queixar dos segundos que perdem para ultrapassar um ciclista, ainda que eu saiba quão preciosos são esses segundos para poderem atualizar a rede social enquanto conduzem. 

Toda a gente tem direito a andar na estrada: peões, ciclistas, animais, carros, camiões. Os ciclistas foram equiparados aos automóveis, ou sea, agora têm prioridade nas rotundas e sempre que se apresentem pela direita, quando antes isso não acontecia e tinham que parar para deixar passar toda a gente. Bem sei que os maiores anticorpos contra os ciclistas é por causa das ultrapassagens. Mas 'meu amigo', se não há espaço, pois que esperem. Todos nós esperamos nove meses para nascer, não foi? 

Nas estradas há dois ódios de estimação: os ciclistas e os carros sem carta. "Porque só andam a atrapalhar". É como se não tivessem o mesmo direito que os outros a andar na estrada. É o mesmíssimo pensamento que muitas pessoas, que acham que lhes corre sangue azul nas veias, pensam dos pobres nas universidades, pensam dos pobres que estudam doze anos, pensam dos pretos ou das mulheres à frente das empresas ou à frente de um país. 

O trânsito nas estradas pode ser uma boa metáfora para a sociedade e para a politica que rege a sociedade. Devemos viver em comunidade, devemo-nos respeitar uns aos outros, e não achar que somos melhores que os outros, que temos mais direitos que os outros, principalmente que os mais desprotegidos. Se todos fizermos a nossa parte, automobilistas e ciclistas, o mundo, seja nas estradas ou na vida em geral, será bem melhor para todos. 

2 comentários:

  1. Que bom começar o dia a ouvir (ler) tantas verdades. Ainda bem que existem pessoas à face da terra que conseguem se posicionar em muitas frentes.
    Mas eu já desisti, encostei-me aquele ditado popular «quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita ».
    Pessoas com o rei na barriga ou com viseiras quadradas são inacessíveis, acham que o mundo é deles e tudo o resto é banalidade, inútil, desprezível ..... e não é só na estrada.
    Tentar pôr-se no lugar do próximo é um esforço que acham não ter de fazer.
    E seria tão bom , teríamos um mundo tão feliz e harmonioso se todos caminhássemos na mesma direção!
    Bom domingo. Já agora tudo de bom para o Novo Ano, muita saúde e paz para si e família.

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    1. Olá Tina, obrigado pelas suas palavras.
      Bom ano também para si e para os seus e principalmente saúde que nunca como agora foi tão importante.

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