Depois eu percebi. Ela nunca gostou muito de despedidas. Já eu, quase que me despeço das pessoas como se fosse a última vez que as estou a ver. No entanto eu esperei até ao último dia que ela me contactasse para se despedir de mim. Como eu precisava de um último abraço dela. Ela sabe que aquela última semana de Maio não foi das melhores semanas da minha vida. A angústia e o desespero começou a tomar conta de mim. É como se acabássemos de escalar uma grande montanha e, subitamente, escorregamos. O tempo congela, e não tem mais volta, sabemos que, por mais que tentemos nos agarrar, não vamos conseguir. Estamos perdidos. Só vamos parar lá baixo: despedaçados.
Por motivos completamente diferentes, aquela também não terá sido uma boa última semana de Maio para ela. No meio de todo aquele turbilhão familiar, e das amigas, lá pelo meio ela sabia que também existia eu: por mais que não quisesse, ela sabia que me estava a magoar profundamente. E bem que depois eu percebi que há já algumas semanas que ela já me estava a preparar, ou melhor, há algumas semanas que ela se estaria a preparar, tentando descobrir uma forma de me administrar uma anestesia para o que iria acontecer.
E como me divertiu depois, tal como agora que me lembro, pensar que eu lhe havia dito - logo a ela! - que haveria de ser ela que me haveria de deixar. Mas nunca se está preparado. Não eu, que sempre que escalo, faço-o sem pára-quedas, e já se sabe, se algo correr mal, não há salvação possível.
Naquele último dia, naquela última viagem, montada no meu cavalo preto e agarrada a mim, ela dizia-me "Tens de aceitar, se não aceitares vai ser muito mais doloroso para ti". E eu disse-lhe de forma veemente que "Não aceito". Claro que, teoricamente, ela tinha razão, mas eu acho que ela também saberá que eu tinha os meus motivos em não aceitar. Eu havia esperado nove anos por ela e convenhamos que nove anos é muito tempo. É muito tempo, para que depois de ter escalado nova montanha - e por detrás de uma grande montanha há sempre outra maior não é? - e de ter chegado lá acima, a vida me tivesse pregado tamanha armadilha. "Não aceito" gritei-lhe, enquanto tentava conter as lágrimas...
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E o dia do voo haveria de chegar. E não nos haveríamos de despedir. E ela voava, literalmente, para longe de mim. O bilhete era só de ida, sem regresso, e eu sabia que ela não mais haveria de voar para mim. Pelo menos não nesta vida.
Mas meses depois, e por iniciativa dela, visto que eu nem fazia ideia que ela estava uns dias por Portugal, haveríamos então de nos reencontrar. E tantas vezes que eu ensaiei aquele momento mas não foi preciso. Ela tomou conta da ocorrência, e haveríamos de nos abraçar mal chegamos junto um do outro.
Eu agradeci-lhe por ela fazer questão de se querer encontrar comigo. Ela disse-me que ela é que me tinha de me agradecer por eu, apesar de tudo, estar ali com ela. E eu acho que, se foi tão importante para mim que nos apaziguássemos, que ficássemos em paz um com o outro, talvez para ela, e por diferentes motivos, tivesse sido ainda mais importante.
À pouco, mal cheguei a casa, pensei nisso. Completam-se agora dois anos. E orgulho-me por termos ficado bem. Ambos, fruto da idade e já com experiências passadas, concordávamos que só quando termina uma relação, ou só sob uma grande tensão emocional, é que conhecemos verdadeiramente quem é a outra pessoa que esteve connosco. Se lhe perguntarem, ela irá dizer que já me conhecia muito bem - e não tenho dúvidas disso - mas cá entre nós, eu também não tenho dúvidas que depois que ela voou para longe de mim, ela ficou a conhecer-me com muito mais conhecimento de causa.
Vamos estando em contacto. E vamo-nos escrevendo regularmente. E ela até foi um daqueles anjos que, todos os dias me perguntava como eu estava depois da cirurgia e, este ano, até conseguiu o feito extraordinário de ser a primeira pessoa a dar-me os parabéns!, se calhar também para contrabalançar com o ano anterior!
Mas passado todo este tempo, só queremos que o outro seja feliz, e quando desejamos que a pessoa que tanto queríamos ao nosso lado possa ser feliz sem nós, isso de facto é muito bonito. E se as pessoas passam a vida a falar da questão dos assuntos mal resolvidos nas relações, aqui trata-se do oposto. Foi um assunto bem resolvido. Um dia ainda me dirão que foi bem resolvido demais. E quais as implicações disso? O futuro me dirá dentro de momentos...
Muito bonito e comovente..
ResponderEliminarSF
Obrigado SF :)
ResponderEliminarBeijinho