Maria Teresa Horta, uma escritora feminista portuguesa que ajudou a derrubar as restrições impostas às mulheres pelo seu país conservador, morreu a 4 de fevereiro na sua casa em Lisboa. Tinha 87 anos.
A sua morte foi anunciada no Facebook pela sua editora, Dom Quixote. O primeiro-ministro português, Luís Montenegro, prestou-lhe homenagem na rede social X, descrevendo-a como “um exemplo importante de liberdade e de luta pelo reconhecimento do lugar das mulheres.”
Maria Teresa Horta foi a última sobrevivente do célebre trio de escritoras conhecido como as “Três Marias”, que em 1972 publicou o marcante livro Novas Cartas Portuguesas. Composto por cartas que as três escritoras trocaram entre si sobre as dificuldades de ser mulher em Portugal, o livro abriu um novo mundo de expressão da sexualidade feminina reprimida, enfureceu a ditadura e levou à sua detenção e acusação criminal por indecência e abuso da liberdade de imprensa.
“Para as feministas em todo o mundo, assim como para os defensores de uma imprensa livre, a ação policial contra as mulheres portuguesas em junho de 1972 foi um ultraje que, aos poucos, se tornou o foco de um movimento internacional de protesto”, escreveu a revista Time em julho de 1973.
As Três Marias - Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno (1939-2016) e Maria Velho da Costa (1938-2020) - tornaram-se heroínas do feminismo internacional, e a fama do livro alertou o mundo para a repressão sob a ditadura portuguesa. Simone de Beauvoir, Marguerite Duras e Adrienne Rich foram algumas das escritoras que declararam publicamente o seu apoio. A National Organization for Women votou para tornar o caso a sua primeira causa feminista internacional.
Este não foi o primeiro embate de Maria Teresa Horta com a controvérsia.
Em 1967, após a publicação do seu influente livro de poesia Minha Senhora de Mim, foi “espancada na rua”, contou à sua biógrafa Patrícia Reis em 2019. O livro, disse, “desafiava algo profundamente enraizado neste país: o silenciamento da sexualidade feminina.”
As visitas frequentes da polícia política portuguesa tornaram-se parte da sua vida.
Os temas da sua obra emergiam de uma dupla opressão: ser mulher numa sociedade dominada pelos homens e crescer num Estado policial.
“Nasci num país fascista, um país que roubava a liberdade, um país de crueldade, prisões, tortura”, disse numa entrevista a um jornal italiano em 2018. “E cedo percebi que não podia aceitar isto.”
Também não aceitava a opressão das mulheres na cultura tradicionalmente machista de Portugal. “As mulheres são espancadas ou violadas tanto por um médico, um advogado, um político, como por um operário, um camponês e assim por diante”, disse ao Diário de Notícias em 2017. “As mulheres sempre foram espancadas e sempre foram violadas. Não se considera a violência que ocorre na cama, no ato sexual com o marido.”
Em 1971, essas preocupações levaram-na a reunir-se semanalmente com duas amigas e colegas escritoras, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, para partilharem reflexões escritas sobre os temas que as atormentavam.
Inspiraram-se numa obra clássica do século XVII, Cartas de uma Freira Portuguesa, supostamente escritas por uma jovem enclausurada num convento português para o oficial de cavalaria francês que a abandonara. Embora hoje os estudiosos acreditem que a obra seja ficção, a sua expressão poderosa de desejo reprimido e frustração ressoou nas Três Marias.
Tal como a freira do livro, usaram cartas entre si, bem como poemas, para expressar a sua insatisfação enquanto mulheres nos seus trinta anos, educadas por freiras, casadas e com filhos, numa Lisboa sufocada por uma ditadura de 35 anos, um catolicismo rígido e guerras coloniais mal planeadas em África.
Quando publicaram Novas Cartas Portuguesas, prometeram nunca revelar a ninguém, muito menos à polícia, qual delas escrevera cada parte.
“As suas visões e personalidades eram bastante distintas”, escreveu Neal Ascherson na The New York Review of Books ao analisar a tradução inglesa de 1975, intitulada The Three Marias. “Maria Isabel era a mais fria, Maria Teresa a mais exuberante, Maria Fátima a que se afastava do feminismo puro para uma análise social e psicológica da opressão de um povo inteiro.”
A obra - que Ascherson chamou de “um grande e complicado ramalhete” - está impregnada de uma raiva reprimida face à condição feminina.
“Queriam que as três de nós nos sentássemos em salas de estar, bordando pacientemente os nossos dias com os muitos silêncios, as muitas palavras suaves e gestos que a tradição dita”, diz uma das cartas. “Mas, seja aqui ou em Beja, recusámos o claustro, estamos a despir-nos dos nossos hábitos, silenciosamente ou de forma desafiadora.”
Outra carta afirma: “Ganhámos também o direito de escolher a vingança, pois a vingança faz parte do amor, e o amor é um direito há muito concedido na prática: praticar o amor com as nossas coxas, as nossas longas pernas que cumprem com mestria o exercício esperado delas.”
Embora Ascherson considerasse o livro “por vezes exasperantemente impreciso, indulgente e prolixo”, reconheceu que “onde é preciso, o livro ainda fere” e “onde é erótico, não é exibicionista nem pudico, mas bem calculado para tocar a mente através da emoção.”
Alguns críticos portugueses elogiaram-no como “corajoso, ousado e violento”, como escreveu o autor Nuno de Sampayo no jornal A Capital. Previram, no entanto, que teria uma receção difícil.
O primeiro-ministro Marcello Caetano tentou prender as autoras, chamando-as de “mulheres que envergonham o país, antipatriotas.”
A 25 de maio de 1972, a censura estatal proibiu o livro. No dia seguinte, foi enviado para a polícia criminal de Lisboa. Quando o julgamento das autoras começou em 1973, a multidão era tão grande que o juiz ordenou a evacuação da sala.
Em maio de 1974, quase dois anos após a sua detenção e duas semanas após a queda da ditadura, as Três Marias foram absolvidas.
O juiz Artur Lopes Cardoso, que presidia ao caso, tornou-se um convertido de última hora, declarando que o livro “não era pornográfico nem imoral.” “Pelo contrário”, disse, “é uma obra de arte de alto nível, seguindo outras obras de arte produzidas pelas mesmas autoras.”
Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros nasceu em Lisboa a 20 de maio de 1937, filha de Jorge Augusto da Silva Horta, um médico proeminente e conservador que apoiava a ditadura, e Carlota Maria Mascarenhas. A sua avó paterna tinha sido uma figura destacada do movimento sufragista português.
Adam Nossiter | New York Times
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