domingo, 16 de fevereiro de 2025

A Convenção


 Aquela espanhola de cinquenta e oito anos, com quem ainda não tinha falado, vem na minha direção, abraça-me e diz-me: "quero tirar uma fotografia contigo, para mostrar ao meu marido que estou com um metaleiro português"! Ele depois respondeu-lhe para não se entusiasmar demasiado! E acabou por ser, talvez, a conversa que me criou mais impacto das muitas, com tantas pessoas diferentes, com que tive a oportunidade de falar naqueles três dias. 

Estou na empresa há três anos e o mais curioso é que nunca tinha tido oportunidade de ver ao vivo os equipamentos que testo, reparo ou recondiciono. Ou melhor, vê-los ser utilizados na prática. Seria mais ou menos como alguém que trabalha numa fábrica de chocolates nunca ter provado o chocolate que ajuda a produzir. 

Apesar de entender bem o inglês - e não me venham com a treta que quem entende bem o inglês, querendo também o fala - o facto de não ser tão fluente faz com quem me deixe mais tímido nas conversas, mas fiz um esforço para receber o mais condignamente possível os cerca de cinquenta colegas estrangeiros que vieram cá ao Porto para uma convenção de três dias. Ainda assim alguém disse-me: "tu não tens sotaque"! 

O brilharete aconteceu com a colega de Myanmar. 

"Então, a vossa Nobel ainda continua presa"? 
- O quê, tu sabes que existe Myanmar?
Sim. Não deveria? Acho que é do conhecimento geral. 
Não! Sempre que digo que sou de Myanmar, Birmânia, perguntam-me: Germânia? E olha para mim, pareço mesmo germânica, não? 
Sim, com esse teu ar asiática é mesmo tal e qual! 

Com ela estava a colega do Chile, de quem nunca li nada de Neruda, nem ela de Saramago. Mas ao menos pude falar da Casa dos Espíritos da Isabel Allende!

Foram três dias num hotel todo modernaço no centro do Porto para fazer palestras e afinar estratégias para o futuro. A empresa vai bem e recomenda-se. Somos líderes de mercado, temos um novo produto inovador a ser desenvolvido totalmente em Portugal e serviu também para, além de nos conhecermos, falarmos uns com os outros e olearmos melhor a máquina. 

O colega do Equador ficou maravilhado com a viagem de comboio de Lisboa para o Porto, porque, mesmo àquela velocidade, achou que se veria aqui a viver. E depois comentou, não para mim, para outros colegas, sobre o número de horas de eletricidade que tem. Sim, há pessoas no planeta que trabalham, mas não têm, ao contrário de nós, 24 horas sempre disponíveis de eletricidade. E então, se não há eletricidade para televisão à noite, brinca-se com os filhos. E, se calhar, no mundo que tem 24 horas de eletricidade disponível, seria preferível estar mais disponível para os outros. 

Depois da primeira palestra e no primeiro intervalo para café, o patrão, que é alemão, veio ter comigo e como sabe que gosto de fotografia, entregou-me a sua Leica a preto e branco e pediu-me para ir deambulando e tirando fotografias a todos. Essas fotografias depois iriam ser partilhadas com todos. Olha a responsabilidade! Mais ainda porque, como comentei a brincar com colegas, aquele brinquedo deveria custar - sei lá - tanto como o meu salário anual!

O primeiro a interagir comigo foi um senhor romeno, já de cabelos brancos, porque queira falar sobre heavy metal, porque ele também é todo rock & roll e fã de Led Zepellin. Bom, da Roménia eu pouco mais sei além do mito do Drácula, mas lá conseguimos ter uma conversa amigável.

Como uma  colega portuguesa chegou a dizer, eu levei o papel de repórter fotográfico muito a sério, e ia tentando aproximar-me e apanhar as pessoas ao natural, como qualquer bom fotógrafo faz. Acho que nem me saí muito mal.

Dias antes da convenção, foi pedido para colocarmos uma fotografia nossa e uma pequena frase que nos definisse. Eu coloquei "nature and garden lover, table tennis player and heavy metal". Bloger achei melhor não, se não ainda se lembravam de me pedir o link do blog para ler o que por aqui vou colocando e se calhar é melhor não!

A espanhola de cinquenta e oito anos contou-me que o marido é fã de Iron Maiden e que, com a ajuda da filha, comprou bilhetes para Paris, um bilhete ainda por cima vip com acesso ao backstage. Ele não sabe de nada, só sabe que naquela semana vai viajar. Falamos de muitas coisas, incluindo, política. Temos visões muito semelhantes. 

Visão bem diferente tenho da senhora estadunidense, que tem mais de setenta anos e fez a continência para me dizer que Trump e Putin tornarão o mundo melhor. Afinal Trump é bom porque Kamala era má. Mas havia mais quatro candidatos e perguntei: em trezentos milhões de habitantes eram esses os dois melhores que tinham para gerir os destinos do país? Claro que não foi muito inteligente da minha parte dizer o que penso politicamente a alguém que, ainda por cima, terá posição de destaque na empresa.

No último dia e após dois dias muito cinzentos e de forte chuva, eis que vem a bonança de um dia de sol em pleno inverno, para os colegas estrangeiros passearem pela minha cidade. E tive então oportunidade de fazer turismo na minha cidade de adoção mas, pela primeira vez, com uma guia a explicar as coisas que eu já sei. Mas fiquei agradavelmente surpreendido com o seu profissionalismo. Inglês e sotaque perfeito, conhecimentos assertivos e sempre com um toque de humor. Contou muito bem a história da Lello que está erradamente associada à autora de Harry Potter, que é verdade, ela viveu no Porto, mas nunca lá tinha entrado dentro. 

E antes de começarmos o patrão interpela-me novamente e passa-me um novo gadjet para as mãos, desta feita uma câmara de filmar pequenina que não tem nada que ver com o aspeto duma câmara de filmar como eu as conheci. E, novamente, tentei fazer o melhor trabalho possível desta vez de repórter de imagem, passando todos à frente e esperando que todos passassem e tentando encontrar os melhores ângulos. 

Deambulamos por Santa Catarina, passamos pelo Bolhão (que está horrivelmente descaracterizado das vendedoras de outrora) e descemos até à Ribeira. Atravessamos a Ponte Dom Luiz, e fomos para o Cais de Gaia fazer um passeio de barco. Ao almoço estive numa mesa só com mulheres: a minha colega, e a jovem italiana que lhe disse que é muito bonita (a ver se ela acredita) as duas chinesas do meu lado direito, e mais umas quantas dispostas pelo resto da grande mesa. 

Depois de almoço, enquanto alguns decidiram usar o teleférico para ir até ao Mosteiro da Serra do pilar, eu acabei por ir caminhar um pouco sozinho e juntei-me depois pelo caminho à espanhola, à colega de Lisboa e ao colega do Equador. Fomos até ao Cais da Ribeira sentar numa esplanada e conversar. E ali tive as conversas mais interessantes e reveladoras dos três dias. 

À noite iríamos jantar ali pelo Cais de Gaia e bem antes da hora marcada fui descendo do Hotel para o rio. Já perto do restaurante encontrei a colega ucraniana (ao que parece pró russa) e bastou perguntar-lhe "então e como está a tua vida, muito afetada pela guerra"? Ao que ela disse que é como uma prisão porque o marido não pode sair do país, tal como todos os homens dos 18 até aos sessenta e não sei quantos anos. E apesar de ambos não termos um inglês extraordinário lá fomos conversando bastante, sobre estes tempos senis em que vivemos e sobre a juventude acéfala.

Foi uma experiência social muito interessante. Apesar de tudo e da minha maneira muito própria de ser, a verdade é que eu gosto de pessoas e de conhecer as pessoas, por mais que elas se vão mostrando ingratas e me vão desiludindo...

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