sexta-feira, 28 de abril de 2023

Os 80 Anos dos Principezinho


 *Artigo publicado no dia 15 de Abril no jornal Folha de São Paulo

O livro “O Pequeno Príncipe” extrapolou a literatura  já há muito tempo, e foi viver também em outros lugares — posts nas redes sociais, tatuagens, conselhos religiosos e discursos em concursos de beleza são apenas alguns dos usos que as pessoas já fizeram das palavras escritas por seu autor, o francês Antoine de Saint-Exupéry, exatos 80 anos atrás.

Talvez seja essa vida, digamos, eclética que o principezinho levou fora das livrarias que o tenha levado a ganhar adjetivos nada gentis ao longo do tempo, como “cafona” (que não é sofisticado) e “piegas ”(que é excessivamente sentimental).


A tradutora da edição brasileira do livro pela Companhia das Letrinhas, Mônica Cristina Corrêa, acha esse julgamento injusto. “O ‘Pequeno Príncipe’ não pode ser entendido fora do contexto. Ele foi escrito durante um conflito mundial por um autor que morreu na guerra, e nunca deixou de participar dela”, ensina Mônica, que estuda a obra de Saint-Exupéry. Para ela, como viveu e serviu à força aérea de seu país durante a Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, o escritor entendeu que precisava tratar em seus escritos do que Mônica chama de “realidades incontornáveis”.


“Ele precisava falar de toda a dilaceração que as pessoas estavam passando, e traz para a história a solidão da época. O príncipe é muito sozinho e está procurando amigos.”

Na história, o protagonista vai contornando dificuldades para conseguir uma amizade —a raposa é quem o ensina sobre o que realmente vale a pena na vida. “Os baobás têm o poder de esmagar um planeta inteiro no livro, e são uma metáfora do nazismo, que ia para cima dos países varrendo tudo”, comenta.


“Então não faz sentido olhar para tudo isso e achar piegas. Vejo como má vontade das pessoas. Isso tudo fora a decisão que ele toma no final, com o destino ousado que dá para o protagonista”, provoca Mônica, que não vai dar spoiler, mas já mostra que as coisas não saem às mil maravilhas.

Para quem não conhece a história, aliás, ela mostra as viagens do menino habitante do asteroide B-612 pelo universo. Várias falas dele e de outros personagens, como a Rosa, a Raposa e a Serpente, ficaram famosas: “O essencial é invisível aos olhos”, “O tempo que você perdeu com sua rosa é que faz sua rosa tão importante”, “Se você me cativar, precisaremos um do outro”.


E, por trás de toda essa atmosfera, diz Mônica, está uma importante ideia: falar sobre a morte. “O livro não começa com um texto, mas com um desenho. E aquele desenho não é florido, é um desenho de uma fera sendo morta, devorada por uma serpente. E a cara dela é de pavor”, diz. “Todo o processo do livro segue até quando o Pequeno Príncipe diz que precisa ir embora.”

Isso não faz de “O Pequeno Príncipe” um livro trágico. Para Mônica, é uma história com importantes ensinamentos. “Ele nos faz ver que a morte não faz com que a vida não valha a pena, mas sim que, uma vez que a gente vai morrer, tem que achar um sentido para a vida”, opina.


“O príncipe consegue ver coisas que os adultos não veem mais, pois estão contaminados por coisas que não fazem sentido. Para o autor, só há um luxo verdadeiro: as relações humanas. Se você for importante para alguém, você também vai criar sentido para essa pessoa. Como você se veste, onde você mora, quanto você ganha são coisas que não deveriam ter a menor importância.

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