domingo, 22 de maio de 2022

A Melhor Final de Sempre

 Ao meu lado estava o jogador que comigo iria disputar a final e juntos estávamos a ver o jogo de atribuição para o terceiro e quarto lugares. Entretanto lá fomos chamados para ir disputar a final, levantamo-nos e disse-lhe: "bem, 'bora lá ser cilindrado", ao que ele muito desportivamente respondeu "é uma final, é sempre cinquenta-cinquenta".


Foi tudo muito em cima da hora. No dia anterior, sexta-feira santa, logo pela manhã vi na newsletter do concelho que iria ser organizado um torneio de ténis-de-mesa inserido nas comemorações do 25 de Abril. E logo tratei de contactar a organização do dito torneio para saber se ainda íamos a tempo de participar. 

Sim, ainda nos podíamos inscrever, informei os restantes colegas do clube, mas, como foi tudo muito em cima da hora, alguns já tinham coisas combinadas e só dois podiam ir comigo. Mas iam os que podiam. 

Um dos colegas da freguesia vizinha apanhou o outro colega de lá (onde todos treinamos) e depois apanharam-me aqui na aldeia para juntos rumarmos até São Pedro da Cova para este torneio que não sabíamos muito bem o que íamos encontrar. E foi mesmo isto que lhes disse na viagem, que não fazia ideia do que poderíamos ir encontrar. Se seria um torneio amador como o que nós mesmos organizamos, se poderiam também aparecer atletas mais cotados de outras coletividades, visto que o torneio até foi anunciado no jornal do município. 

Com uma pontualidade assinalável (não tivesse o colega instalado uma aplicação-GPS-maravilha nova no telecrã) chegamos ao local do evento em vinte minutos e quase ao mesmo tempo estava a chegar um senhor da casa, com uma fisionomia a lembrar José Carlos Malato (mas mais novo) numa azáfama de abelha obreira, a abrir portas e a carregar coisas para o interior do edifício-sede da coletividade.

Rapidamente fizemo-nos anunciar e iniciamos o processo de socialização (como se os nossos equipamentos verdes a dizer Ténis-de-Mesa nas costas não nos denunciassem) - e entramos edifício adentro para os colegas tomaram café e nos ambientarmos. 

Passado algum tempo de espera, e ainda antes de subirmos para a arena dos combates parecia-me já evidente que seria um torneio amador de malta não federada, igual ao que nós também organizamos cá na nossa terra. Lá subimos para o primeiro andar do edifício, que tinha com um espaço generoso e onde estava a mesa à nossa espera. 

Como sempre os que são de mais de longe são os primeiros a chegar. Os restantes jogadores eram todos dali, do clube organizador e, os dois mais fortes, dum outro clube lá da terra. Como chegamos cedo, depois de pousar os sacos, rapidamente fomos para a mesa bater umas bolas para aquecer. 

A competição estaria divida em quatro grupos de apuramento de onde apenas o melhor de cada grupo avançaria logo para uma meia-final e depois, posteriormente, seria realizada a final. 

Em conversa com o nosso amigo "Malato" este foi-nos falando de um jogador que quando por ali havia torneios ganhava a toda a gente. Ao que parece o senhor tinha tido um acidente e até andava de canadianas. Daí que foi fácil identificá-lo quando chegou com o colega. 

Os jogos iniciaram-se e eu lá fui vencendo os meus jogos sem grande dificuldade. Os opositores, na sua maioria é malta que sabe jogar, mas que, como muitas vezes é habitual neste desporto, o pessoal pega mais no pires de presunto ou no copo da cerveja do que na raquete de ping pong! E o ténis-de-mesa é um desporto que necessita de bastante treino, é verdade que quem aprende a andar de bicicleta nunca esquece mas depois nota-se muita diferença para quem treina assiduamente como é o nosso caso. 

Mas não era o caso do senhor de canadianas e do seu colega. Percebia-se muito claramente que eram os melhores jogadores, tal como, por certo, também eles nos terão tirado a pinta e visto quem era o adversário mais cotado que no caso era eu.

Sendo o torneio realizado só numa mesa os muitos jogos dos vários grupos iriam prolongar-se de manhã e de tarde. E assim, quase sem nos darmos conta era chegada a hora de almoço. Descemos e, para nossa surpresa, do balcão do café chamaram-nos para nos servir queijo fatiado e presunto! Assim vale a pena ir a torneios de ténis-de-mesa! 

Não nos quisemos esticar muito na simpática oferta e lá tratamos de ir almoçar ao sítio que nos indicaram, onde se comia bem e barato como convém nestas ocasiões! Bem saciados e da minha parte já com vontade de tirar uma bela sesta, lá nos dirigimos para a segunda parte do torneio. 

Nestas coisas dos torneios, um fator que não é de somenos importância é a sorte no sorteio e pode fazer a diferença entre ir a uma meia-final ou ficar-se pela fase de grupos. A organização, e muito bem, colocou cada um de nós pelos diferentes grupos (para colegas de clube não jogarem uns contra os outros) e depois, como o senhor "Malato" nos contou, os atletas foram distribuídos por ordem de inscrição. 

Quis o sortilégio que no meu no grupo de cinco atletas tivesse que defrontar o tal senhor de canadianas e isso causou-me logo alguma ansiedade, afinal, iria defrontar o jogador que por  ali costumava ganhar a toda a gente. 

Desde o início que comecei a treinar e a competir que um dos meus principais problemas, seja uma competição mais amadora ou já mais competitiva, é a minha própria cabeça. É impressionante que, mesmo entre colegas, por vezes fico ansioso quando jogo! E nas primeiras competições fiquei tão ansioso e com tanto nervosismo que os músculos ficam todos tolhidos e os movimentos não saem naturalmente. 

Mas pronto, lá fui jogar com o jogador mais forte do meu grupo. Se ganhasse estaria por certo na meia-final, se perdesse ficaria por ali. Por sorte do sorteio os meus dois colegas evitaram o colega deste senhor e ambos facilmente ganharia os seus grupos e estariam na meia-final. 

Comecei a disputar o encontro e rapidamente perdi vários pontos e lá se foi o primeiro jogo. Os encontros disputavam-se à melhor de três, ou seja, quem ganhasse três jogos venceria. Na minha cabeça já fervilhava que iria ficar pela fase de grupos porque não estava a conseguir contrariar a eficácia do senhor que, apesar da sua grande dificuldade física e inclusive arrastasse uma das pernas, tem um jogo agressivo e é muito bom tecnicamente. Mas novo jogo se iniciava, respirei fundo, esqueci o primeiro e tento acalmar-me para o que aí vinha. E a verdade é que, com calma, fazendo o meu jogo e explorando as debilidades do adversário (por várias vezes lhe pedi desculpa por colocar a bola onde, pela dificuldade física lhe seria impossível chegar) a verdade é que consegui mesmo dar a volta e vencer por 3-1, venci o grupo e iria disputar a meia-final com o meu colega mais jovem. 

Paralelamente à competição e, se é verdade que fico muito nervoso com os jogos, depois é curioso estar a tornar-me num verdeiro relações públicas e rapidamente me envolvo em conversas com as pessoas e muitas vezes, como neste evento aconteceu, obtivemos informações importantes e ainda estabelecemos uma parceria de treino com o clube destes dois atletas. E além da competição estabelecem-se também convívios e laços de amizade. 

Chegado à meia-final, poderia relaxar porque tendo em conta que sou mais forte, as coisas decorrendo normalmente deveria vencer e chegar à final, mas por estranho que possa parecer, num ou noutro momento consegui sentir-me nervoso! Mas com mais ou menos nervosismo acabei por vencer o meu colega com facilidade. 

Fui descansar e preparar-me para ver a outra meia-final de onde sairia o meu opositor que, ou seria o meu mais antigo colega ou então o colega do senhor das canadianas que sempre me pareceu que tinha um jogo muito fino e consistente. E não me enganei. Foi um pouco assustador ver a forma como despachou muito facilmente o meu colega com recortes técnicos que até aí, fruto da fraca oposição, não sentiu necessidade de mostrar. Ele entretanto lá veio descansar, sentou-se junto a mim e ficamos a ver o encontro de atribuição de terceiro e quarto lugar entre os meus dois colegas.   

Ao longo do torneio algumas pessoas foram passando por lá, subiam vindos do café e sentavam-se conversavam, e até o árbitro, que muitas vezes foi o nosso "Malato" (que arbitrou a final) mesmo durante os jogos mandava as suas bocas e estava tudo em clima descontraído e de boa disposição. Mas na final tudo seria diferente. 

Levantamo-nos para ir disputar a final e disse-lhe: "bem, 'bora lá ser cilindrado", ao que ele muito desportivamente respondeu "é uma final, é sempre cinquenta-cinquenta".

Mais pessoas curiosas se começaram a juntar para ver a final, entre um atleta da terra e um forasteiro de cabelos compridos e, às primeiras trocas de bolas do aquecimento o ambiente começou a ficar silencioso e sentia-se uma certa tensão no ar. 

O meu estado de espírito seria pouco melhor que o do condenado a caminho do cadafalso. Sei reconhecer o valor dos adversários e tenho consciência que não sou o melhor jogador do mundo. 

A psicologia deve explicar estas coisas. A certeza que iria facilmente ser derrotado libertou-me. Afinal, não tinha nada a perder. A derrota e o segundo lugar estava sempre garantidos! Desta vez entrei muito bem, de forma consistente, sem falhar nenhum serviço e a jogar de forma descontraída. Pelo contrário, o meu simpático adversário parecia-me um pouco tenso tendo falhado inclusive vários serviços. E a verdade é que, para minha própria surpresa venci mesmo o primeiro jogo. Acontecesse o que acontecesse, já estava satisfeito. Nunca pensei conseguir vencer um jogo quanto mais disputar o encontro.

Lembro-me de ter conseguido pensar. Sempre que tinha de virar costas à mesa para ir apanhar uma bola perdida, respirava fundo e tentava aconselhar-me com os meus próprios pensamentos. Outras vezes olhava em redor pelo canto do olho e via a atenção com que toda a gente estava a presenciar este encontro final. 

E por incrível que possa parecer venci o segundo jogo passando a vencer por 2-0. Bastava mais um e venceria o torneio. E o incrível aconteceu mesmo, no terceiro jogo porque tenho mesmo um match-point e a possibilidade de ganhar por 3-0, o que seria incrível! Mas não aconteceu. Os jogos estavam cada vez mais renhidos e a serem discutidos nas vantagens, e ele consegue reduzir para 2-1 e depois empatar a 2-2. 

Depois de um dia inteiro a jogar e com quatro jogos disputados na final eu já não podia com uma gata pelo rabo, até porque, convém lembrar que tenho os meus próprios problemas de saúde e, conforme soube recentemente, até poderia jogar nos para-atletas. 

Depois da recuperação dele e do meu abrandar físico talvez fosse de esperar que ele acabasse por facilmente vencer o último jogo. Mas isso não aconteceu! Cheguei mesmo primeiro aos dez pontos e tenho novamente a oportunidade de ganhar! Mas de novo não aconteceu. Ele empatou e íamos decidir a final nas vantagens. 

Vencesse quem vencesse seria sempre justo. Foi uma final disputadíssima e verdadeiramente emocionante. E a verdade é que ele acabou por vencer por 3-2 mas eu sentia-me genuinamente orgulhoso e contente.  

Mas isto ainda não ficava por aqui! Já por alturas das meias-finais, quando as pessoas da junta de freguesia chegavam com os troféus, tinham-nos perguntado, talvez porque éramos forasteiros de mais longe (ainda que não fosse tão longe assim) se depois do torneio ficávamos porque ia haver um convívio entre todos os atletas. Dissemos logo que sim, até porque o meu colega casado, o que levou o carro, tinha também levado a esposa consigo (e logo preveniu a filha que não jantavam em casa) ao passo que eu e o outro colega estamos solteiros e por nossa conta. 

Deu-se a entrega de prémios, tirou-se uma fotografia de grupo e fomos lá para fora conversar até nos chamarem. À nossa espera estava um churrasco e ainda houve melão como sobremesa! Na classificação do enche a pança fiquei muito mal classificado e levei uma abada, pautando-me por umas míseras duas sandes e uma garrafinha de água, quando já os meus colegas iam com seis ou sete no bucho! 

O churrasco proporciona conversa e, por exemplo, o pessoal da organização quis saber como é que soubemos do torneio - pois tinham ficado muito surpreendidos como é que iam ter ali pessoal de Melres (provavelmente eles nem sabiam que o evento foi notícia no Vivacidade) - e nós acabamos a conversar quer com o clube organizador da casa, quer com os dois jogadores mais fortes do outro clube. 

Eu como sou muito expansivo acabei a falar de temas de sociedade a roçar a política com o meu camarada da final, e acabamos por descobrir que temos muitos pontos em comum.

Muito mais importante que "a melhor final de sempre", foi o convívio proporcionado. Foi termos presenciado ao vivo uma lição de como bem receber forasteiros e de como o desporto amador pode ser, se as pessoas quiserem, um elemento agregador. 

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