domingo, 17 de abril de 2016

Havia sempre futebol

Foi também em Abril por estes dias. 

E já nem sei quem de nós os dois chegou a comentar primeiro, mas parecia que sempre que saíamos, havia sempre, numa televisão qualquer, um jogo de futebol a decorrer.

O futebol nunca que foi importante para nós quando estávamos juntos. Era o que havia de faltar se fosse. O tempo não nos chegava para coisas bem mais importantes. Todo o tempo era e foi demasiado precioso, para perder, prestando atenção a jogos de futebol. 

Tínhamos (e temos) simpatias clubísticas diferentes, coisa que eu até achava graça. Tal como acharia provavelmente a mesma graça se torcêssemos pelo mesmo clube. Mas não torcíamos.
Olha, agora que penso, se calhar já não acharia tanta graça se tivéssemos opiniões políticas antagónicas. Sabes, eu acredito que isso sim, talvez pudesse ser um problema. Porque as questões políticas refletem-se em tudo, e não só quando decidimos ir meter o voto na urna.

O Rui Veloso cantava (e ainda deve cantar - vês? - eu falo mesmo muito no passado! Mas tudo é passado, mesmo este parêntesis que vou fechar agora!) mas como dizia, o Rui Veloso canta que não se ama quem não ouve a mesma canção. E eu pergunto: será que se ama alguém que tem uma visão do mundo completamente diferente da nossa? Nós amamos desde logo quem admiramos, e tu sabes que eu tenho uma enorme admiração por ti. Tenho até pena de não ter podido ter o privilégio de desfrutar mais da tua companhia durante mais tempo, porque certamente ainda iria descobrir muitos mais motivos para te admirar. Mas será que eu conseguiria admirar alguém, que tivesse uma perspetiva da sociedade tão diferente da minha, a ponto de me apaixonar? Não vou dizer nunca, mas sinceramente parece-me um bocado difícil.

Olha, isto até me faz lembrar do Torrejõn, um tipo que fez o curso comigo. Éramos completamente diferentes. Ele era pró-americano, adepto das touradas, do Futebol Clube do Porto, e de extrema-direita. Mas olha, ironicamente, era o tipo com quem melhor dava por lá. Só tínhamos um pequeno problema, não podíamos conversar...sobre quase nada!
Mas certo dia, ele, que me tratava carinhosamente por Satan, contava-me, revoltado claro, que a sua namorada de tantos anos - e que toda a gente pensava que eles iriam casar e ficar juntos para sempre - que a moça lhe havia confessado que votou no Bloco de Esquerda! Vê lá tu! Ele, que era de extrema-direita, e que acreditava que se devia meter tudo que fossem pretos, gays e doentes numa ilha e explodi-los! E a namorada a votar num partido de esquerda que defende as minorias!

As simpatias clubísticas são uma mera curiosidade, pelo menos para mim, a quem o futebol não enche barriga, nem me chateia muito, visto que, como sabes, nem sequer vejo os jogos na televisão, nem no computador. E nunca que deixei de sair, de fazer o que quer que seja, no fundo nunca que deixei de viver, ou de fazer alguma coisa mais interessante, só porque a essa hora estava a jogar o meu clube.

É verdade que gosto de ir acompanhando, ainda que à distância o fenómeno, e interesso-me mais até pelo lado psicológico da coisa, mas nunca como hoje liguei tão pouco às coisas da bola. E quando penso nos salários pornográficos dos jogadores, então nem se fala. Como é possível que uns tipos, só porque dão uns pontapés numa bola, possam ganhar mais dinheiro em dois meses que a grande maioria das pessoas numa vida inteira? Isso é completamente aberrante e não faz sentido nenhum.

Mas não há regra sem exceção. E nós nem tínhamos regra, porque na verdade nunca dissemos que não haveríamos de prestar atenção a um jogo de futebol. E na verdade vimos, os dois, juntinhos, um jogo de futebol. 



O dia era de certa forma mais especial, mas era principalmente porque estivemos juntos, e para mim, todos esses míseros dias em que estivemos juntos foram sempre muito especiais. Todos eles. Do primeiro ao último. Mas nesse dia, acabamos a jantar naquele grande espaço comercial, aquele onde certamente te lembras que me escolheste uns sapatos, com muito poucas pessoas em volta (provavelmente todas em casa para ver o jogo da bola!) e com várias televisões em volta.

E até chegamos a pensar que não iam transmitir o jogo! Segundos antes do jogo começar estar a dar outra coisa qualquer! Até eu ia ficar desiludido e era o teu clube que ia jogar. Mas já quase em cima do apito inicial, um segurança chegou e mudou de canal. Afinal íamos mesmo ver um jogo de futebol juntos. Íamos ver o teu clube a jogar contra os alemães nos quartos de final da Liga dos Campeões. 

Sabes, lembrei-me disto, mal calhou em sorte ao meu clube, o mesmo adversário alemão que calhou ao teu no ano passado na mesma fase da mesma prova. E olha, para que nenhum de nós se possa rir do outro, infelizmente ambos tiveram o mesmo destino!

O futebol nunca foi importante para nós, do ponto de vista de duas pessoas que se conheceram e se apaixonaram, e que, enquanto olhavam nos olhos uma da outra, tudo o resto não tinha qualquer importância. Mas este pormenor sem importância, não que fosse preciso, mas fez-me relembrar de nós, naquele dia específico, e de sempre que saíamos, parecia que havia sempre futebol.

P.S: Sabes perfeitamente que eu me prendo com os detalhes. E logicamente que a imagem não foi escolhida ao acaso.

P.S, 2: Não, o Torrejõn não casou com a namorada que votou no Bloco de Esquerda!

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