A preferência clubística foi-me transmitida pelo meu pai que era simpatizante do Benfica porque, estou em crer, preferia a cor vermelha ao azul e ao verde. E uma das memórias que fui retendo, porque disso muito se falava conforme fui crescendo, era quando o meu pai, na garagem lá de casa onde reparava algumas motorizadas, me exibia por volta dos quatro anos, pondo-me na mão um monte de cartas de jogadores da bola (formato cartas de jogar) e me pedia para mostrar como sabia os nomes deles todos. Jogador após jogador eu deixava o meu pai orgulhoso acertando sempre no nome, ao que os clientes ficavam muito impressionados e achavam sempre que eu tinha de saber ler. Mas não, eu simplesmente memorizava o que o meu pai me dizia.
Foi por esta influência que me fui tornando simpatizante de um clube que fica a 300Km do local onde nasci e em que a maioria das crianças com quem cresci, sejam vizinhos ou colegas de escola, simpatizavam mais com um outro clube, de azul e branco vestido. Conforme fui crescendo comecei a querer que os vermelhos ganhassem principalmente para que na segunda-feira seguinte de escola (sim, antigamente só se jogava ao domingo às três da tarde e não agora em que parece que há jogos todos os dias!) principalmente para que na segunda-feira seguinte de escola não me chateassem, ainda que, em boa verdade, não me chateavam muito porque eu também nunca fui muito de aferroar os outros.
Mas se ao longo dos anos oitenta as coisas ainda estiveram equilibradas, a verdade é que a partir dos anos noventa foi mesmo para esquecer. A máfia portista era tanta e à descarada, com os casos da agência de viagens Cosmos, mais tarde da fruta e os chocolatinhos e os apitos dourados, que era mesmo impossível aos vermelhos ganhar o que quer que fosse, o que, diga-se me revoltava um bocado.
Fui um adepto da bola igual a tantos outros, mas não creio que alguma vez tivesse sido fanático até porque graças a Odin sempre tive espírito crítico e pensei pela minha própria cabeça. No entanto sempre gostei de estar bem informado para rebater os argumentos adversários o que por vezes chateia as pessoas. É mais ou menos como quando discutia religião com os crentes!
O futebol foi também elemento determinante num dos momentos importantes da minha vida. Na traseira dum autocarro discutia-se bola. Uma adolescente que não conhecia pessoalmente ia sentada no banco à minha frente, à esquerda, olha a determinado momento para trás após um comentário meu e há trocas de conversas entre todos. Mais tarde essa jovem torna-se minha amiga, e mais à frente namorada durante quase oito anos. "Pensei que não gostasses de futebol" disse-me. No entanto foi ela que, não gostando de futebol, quis ir à festa do penta lá do seu clube azul e branco. Eu levei-a e ela depois foi ter com as amigas da escola. "O Jardel acenou-me", disse-me feliz (e eu que pensava que tu não gostavas de futebol!)
À medida que me fui tornando adulto o entusiasmo foi decaindo, mesmo quando os vermelhos começaram a ganhar mais. Ganhar mais significava que que ninguém me chateava tanto com o futebol o que é ótimo! No trabalho a grande maioria dos azuis andavam sempre caladinhos, e muitas vezes o motivo de se lembrarem que o futebol existia não era quando o clube deles ganhava. Não!, era sim quando os vermelhos perdiam! Por isso sempre achei que o segundo maior clube em Portugal nem era azul nem verde, era sim o anti-vermelho!, o que não deixa de ser completamente absurdo mas no futebol raramente as coisas fazem algum sentido.
Eu nunca fui adepto de ir ver jogos ao estádio, nem aquele adepto que tem que comprar o jornal da bola todos os dias. Mas o afastamento do fenómeno futebol tornou-se ainda maior quando Miguel Relvas, ministro do governo de Passos Coelho, que estava empenhadíssimo em privatizar a RTP, resolveu retirar o futebol da lista de interesse público e a RTP deixou de transmitir aquele único jogo de futebol semanal que dava em sinal aberto e, quem quisesse assistia a jogos na televisão pública teria que passar a assinar um canal pago no cabo ou ir ao café ver os jogos. Ou seja, desde Outubro de 2012 que não mais vi um jogo do campeonato português.
Houve uma única vez que fui a um estádio de futebol. Foi no ano de 1993 no estádio do Bessa na cidade do Porto. Eu estudava na escola secundária em frente e durante a semana comprei os bilhetes (para mim e para o meu tio que me acompanhou) e que custaram dois contos para a banca central. Foi um dia de Primavera de muito temporal, muita chuva. O relvado estava inundado de água e a expressão "atirou-se para a piscina" nesse jogo fazia todo o sentido! Na equipa do Benfica pontificavam jogadores como Rui Costa, Futre, Isaías, Paulo Sousa ou Yuran. Tive a sorte de ter estado num jogo épico pois quando o Benfica ganhava por 1-3 o guarda-redes Neno é expulso e provoca grande penalidade e, além da equipa ter ficado a jogar com nove jogadores, ainda teve colocar um jogador de campo na baliza. Mas a verdade é que, apesar de ainda faltar mais de quinze minutos para o fim do jogo, e apesar das várias tentativas, Paulo Sousa que substituiu Neno envergando uma camisola de guarda-redes às avessas defendeu tudo.
Desde que o futebol saiu da RTP, há oito anos, que cada vez mais me desinteressei pela bola. A bola é um fenómeno que só atrai o que de pior existe na sociedade. Sejam os empresários falidos e corruptos, seja gente violenta que mais parecem uns animais selvagens e que precisam que a polícia os leve aos estádios para não se matarem uns aos outros. Os empresários mais ou menos falidos aproximam-se do futebol porque é uma forma fácil de enriquecer, de delapidar o clube em benefício próprio, à custa do adepto-sócio, que assina o canal de futebol pago a peso de ouro, que compra o jornal todos os dias e que vai todas as semanas ver os jogos.
E, se depois de Vieira não ter renovado contrato com Jesus e ter afirmado que se este treinador não fazia parte do futuro do clube vermelho e branco, e depois da forma como enxovalhou e insultou as pessoas que lá trabalharam, eu afirmei que deixaria de ser benfiquista se ele um dia regressasse. Felizmente desinteressei-me do futebol muito antes desse regresso para não ter que passar pela vergonha de cumprir o que disse mas de qualquer forma há muito que o Benfica deixou de ter seis milhões de adeptos.