domingo, 4 de fevereiro de 2018

Duas Mulheres, Dois Gestos, Duas Décadas...

Vinte anos é muito tempo. Eu ia na camioneta, de volta para casa, sentado ao lado de uma adolescente cinco anos mais nova que eu. Íamos do lado esquerdo do autocarro, ela do lado da janela e eu à sua direita. Já não sei o que ela me contou... Há coisas que se esquecem, pormenores que se vão perdendo. É por isso que ter uns cadernos de apontar a vida, tal como fazia a Clara, talvez fosse boa ideia, mais ainda se vinte anos depois quiserem escrever sobre isso! Não sei o que ela me disse, mas sei o que aconteceu. E sei o que aconteceu, provavelmente, porque o que aconteceu foi bem mais importante do que o que ela me disse. Só sei é que ela ficou muito triste, talvez tenha mesmo chorado e eu sei que fiquei imóvel, petrificado, não fazendo o menor gesto para a confortar. E se por um lado eu achava que deveria ser assim que me deveria comportar, afinal, estava perante uma jovem que tinha namorado, mas por outro, eu sabia que poderia estar a passar por alguém muito frio e insensível. Nem sempre é fácil encontrar o gesto apropriado. O certo é que passei por frio e insensível.

Vinte anos depois, fui transportado no tempo para o sofá de um apartamento, decorado com extremo bom gosto, de uma mulher cinco anos mais velha que eu. Eu estava ali e já sabia o quanto aquele momento lhe ia custar. Se calhar a vida também não tem sido muito justa com ela, apesar dela parecer aceitar tudo que a vida tiver, de bom ou de mau, para lhe oferecer. Em diversos momentos ela emocionou-se, e aqueles seus grandes olhos, castanhos, deixaram rolar várias lágrimas pelo rosto abaixo. Então, nesses momentos, eu, que estava mesmo do seu lado direito, afaguei-lhe com a mão o seu denso cabelo cortado acima dos ombros. Quando nos despedimos pela última vez, eu, que estava com as mãos ocupadas carregando caixas, encostei o meu rosto ao dela, e beijei-lhe, repetidamente, a testa, tentando fazer-lhe sentir que tudo haveria de ficar bem. Eu estava a beijar uma mulher que tinha visto uma só vez, nove meses antes. E muito provavelmente não nos voltaremos a ver.

Via Google Images

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