domingo, 21 de janeiro de 2018

Rádio Errática

Quarta-feira passada fiquei até mais tarde no trabalho. Na vinda para casa apanhei o programa "Prova Oral" do Fernando Alvim na rádio Antena 3. Este é um programa que não tenho por hábito ouvir, precisamente porque não apanho no carro e não o ouço nem na rádio nem na internet. 

Este episódio versou sobre o Shifter e os seus fundadores, que é um site de informação na net que pretende ser independente, e falou-se genericamente sobre o jornalismo dos dias de hoje. E a determinado momento o apresentador Fernando Alvim diz o seguinte:

"Esta história de nós transmitirmos no Facebook, foi algo que eu no início tive alguma resistência, até porque as pessoas pessoas diziam "porque é rádio, a magia da rádio e tal". Sim, eu de certa forma também achava isso romântico, só que depois de perceber o boost que é teres uma transmissão ao vivo no Facebook e a quantidade de comentários que se multiplicam a cada minuto, tu percebes que seria errático não fazeres isso. É inevitável."



Errático Alvim? Porquê?

Eu também sou dessas pessoas que gosta da magia da rádio, de ouvir uma bonita voz e imaginar quem será que está por detrás dela. E é por isso que se chama rádio e não se chama televisão, vídeo-conferência ou outra coisa qualquer. No fundo o que tu estás a dizer é que fazes rádio porque se te desse a oportunidade de fazer o Prova Oral num canal de televisão mudavas-te logo, como se usasses a rádio para algo maior. Ou estou errado?

A magia da rádio, é por exemplo, eu, de repente, ter começado a ouvir uma mulher nas manhãs da Antena 3, uma tal de Inês Lopes Gonçalves, que me impressionou pela sua inteligência e humor refinado, e ter ficado intrigado porque sabia que conhecia aquela voz de algum lado. E mais tarde lembrei-me que era alguém que eu costumava ver no Canal Q, quando ainda tinha televisão. Só que houve um problema, eu troquei-lhe o corpo. Durante muito tempo fui pensando que era uma mulher magrinha, de cabelo curto e óculos de massa, e mais tarde, porque me cruzei com ela num qualquer telecrã sintonizado na RTP3 percebi que o corpo era outro. E já me disseram que ela anda pelo Cinco para a Meia-Noite... quem sabe comece a cuscar na net.  

Mas é precisamente por isso que se eu fosse radialista nunca que partilharia a minha imagem em lado nenhum. A alma e a magia da rádio é voz. A rádio não é imagem, para isso já existe a televisão. A pessoa que faz rádio vale-se desse único instrumento que são as suas cordas vocais. Se agora se transmite em direto um programa para a internet , nomeadamente para o Facebook (ou outras redes sociais) então isso para mim já não é rádio. Chamem-lhe outra coisa qualquer.

Bem sei que a pressão da imagem e da alimentação do ego é cada vez maior. E é ver os programas todos de rádio no Youtube ou nos seus sites em Podcast, em que a imagem de fundo é agora, quase sempre o corpo do radialista. Afinal, tem de se colocar ali qualquer coisa. Mas também se poderia muito bem colocar ali só o logótipo do programa, não? 

Eu ainda me lembro de um outro programa de rádio que, outrora, fruto de outro horário de trabalho apanhava todas as sextas-feiras na TSF. Esse programava chamava-se e chama-se ainda "Governo Sombra". E eu ainda me lembro muito bem de ouvir de o Carlos Vaz Marques, o moderador do programa, dizer que aquele era um programa de rádio, e que sempre recusou e recusaria qualquer proposta para o levar para a televisão. Mais. Ele até defendia que era precisamente por ser em rádio que aquele programa funcionava tão bem e tinha tanta audiência. Hoje, como todos sabemos, o "Governo Sombra" é um programa que passa na TVI. Está visto que o Carlos Vaz Marques também mudou de opinião e achou que seria errático não se vender e dar o dito pelo não dito. 

Eu sei que as coisas mudam e evoluem e todos temos de nos deixar levar, adaptar ou então resistir. Eu sei que o mundo gira atrás do dinheiro e que se as coisas não dão dinheiro, inevitavelmente deixarão de existir. E sei que as pessoas procuram protagonismo, e procuram mais público, e que tal como disse o Alvim, que seria "errático" não se vender. Mas onde é que fica a coerência no meio disto tudo? Admito perfeitamente que talvez o errático seja eu. Eu também poderia ir para as redes sociais para me promover, promovendo também os meus blogues; na volta ninguém me lê, basicamente porque são uma valente merda, mas eu comecei a escrever para mim, nunca pensei num blogue para tentar ganhar dinheiro ou para tentar mostrar como sou fixe. Talvez o errático seja mesmo eu. Humildemente admito que sim. Bem sei como é bem mais fácil deixarmo-nos levar pela corrente, do que nadar contra ela. Mas eu sou eu, e se eu me vender passarei a ser uma mercadoria. Deixarei de ser coerente e isso não me agrada. 

E será que vale tudo em troca do protagonismo e das audiências? É  mesmo preciso vender a alma ao Diabo? Eu achava que não. 

Sem comentários:

Enviar um comentário