terça-feira, 7 de março de 2017

Diz-me que Mãe tiveste, dir-te-ei o Destino que Terás

Março 1872

"A valia de uma geração depende da educação que recebeu das mães. O homem é "profundamente filho da mulher", disse Michelet. Sobretudo pela educação. Na criança, como num mármore branco, a mãe grava; mais tarde os livros, os costumes, a sociedade só conseguem escrever. As palavras escritas podem apagar-se, não se alteram as palavras gravadas. E educação dos primeiros anos, a mais dominante e que mais penetra, é feita pela mãe: os grandes princípios, religião, amor ao trabalho, amor do dever, obediência, honestidade, bondade, é ela que lhos deposita na alma. O pai, homem de trabalho, e de atividade exterior, mais longe do filho, impõe-lhe menos a sua feição; é menos camarada e menos confidente. A criança está assim entre as mãos da mãe como uma matéria transformável de que se pode fazer - um herói ou um pulha. 

Diz-me que mãe tiveste - dir-te-ei o destino que terás. 
A ação de uma geração é a expansão pública do temperamento das mães. A geração burguesa e plebeia de 1789 a 93, em França, foi livre sensível e humana - porque as mães que a conceberam tinham chorado e pensado sobre as páginas de Rousseau.
A geração de 1830, gerada durante o primeiro império - foi nervosa, idealista romântica, porque as mães tinham vivido nas emoções heróicas das guerras, na contemplação das fortunasmaravilhosas. 

Se a geração de 1851, em Portugal, foi mais forte e original do que a nossa - é porque as mães, de onde ela saiu, tinham sido as raparigas vivamente sacudidas pelos tempos dramáticos das lutas civis. 


É, pois superiormente interessante saber o que são hoje, em 1872, essas gentis raparigas de 15 a 20 anos de quem nascerá, para o bem e para o mal, a geração portuguesa de 1893. Assim poderemos prever o que elas serão mais tarde como mães, como educadoras (...)

A menina solteira! Vejamos o tipo geral de Lisboa. É um ser magrito, pálido, metido dentro de um vestido de grande puff, com um penteado laborioso e espesso, e movendo os passinhos numa tal fadiga, que mal se compreende como poderá jamais chegar ao alto do Chiado e da vida. O primeiro sinal evidente é a anemia (..) A palidez, as olheiras, o peito deprimido, o ar murcho - revelam um ser devastado por apetites e sensibilidades mórbidas. Ora entre nós as raparigas não têm saúde. Em primeiro lugar não respiram. Os seus dias são passados na preguiça, no sofá, com as janelas, fechadas (...)Depois não fazem exercício. (...) Depois não comem: é raro ver uma menina alimentar-se racionalmente de peixe, carne e vinho. Comem doce e alface. Jantam as sobremesas. A gulodice do açúcar, dos bolos de natas, é uma perpétua desnutrição (...)

Outra causa de doença é a toilette. Com estes penteados enormes, eriçados, insólitos, em forma de capacete, de fronha, de chalé, de concha, e com os materiais tenebrosos que metem por baixo (...)
Lisboa é a cidade do Universo onde as meninas mais se apertam e espartilham (...)
De modo que o balanço das condições físicas de uma rapariga portuguesa é este: músculos sem exercício; pulmões sem ar; circulação comprimida; digestão estrangulada. (...)

É a moda dizem.  - Cruel razão! A moda começa por ter isto de absurdo: não é ela que é feita para o corpo - mas o corpo que tem de ser modificado para se ajeitar nela. (...) A moda destrói a beleza e destrói o espírito. (...) 

Depois da anemia do corpo, o que nas nossas raparigas mais impressiona - é a fraqueza moral que revelam os modos e hábitos. (...)
A sua preguiça é um dos seus males. O dia de uma menina de dezoito anos é assim dissipado: almoça, vai-se pentear, corre o Diário de Notícias, cantarola um pouco pela casa, pega no croché ou na costura, atira-os para o lado, chega à janela, passa pelo espelho, dá duas pancadinhas no cabelo, adianta mais dois pontos no trabalho, deixa-o cair no regaço, come um bocadinho de doce, conversa vagamente, volta ao espelho, e assim vai puxando o tempo pelas orelhas, derreada com a sua ociosidade, e bocejando as horas. (...)

Uma menina portuguesa, não tem iniciativa, nem determinação, nem vontade. Precisa ser mandada e governada; de outro modo, irresoluta e suspensa, fica no meio da vida, com os braços caídos. Perante um perigo, uma crise de família, uma situação difícil, rezam. (...)

Veja-se uma criança educada numa quinta. Pela manhã já ela está solta, com um bife, uns largos sapatos, um velho chapéu. Corre, visita os bois, luta com o carneiro, abraça o pacífico e grave jumento, preside à reunião de galinhas, conhece os ninhos, sabe de cor as árvores; cai, enlameia-se, arranha os joelhos, cura-se pulando, recebe os largos abraços do sol penetra-se de ar, de vida, de viço; e inocente como um bicho, fresca como uma madressilva, com o bife sujo, as mãos cheias de terra, o rosto vermelho como uma amora, as narinas palpitando de vida, sem sensibilidade e sem tristezas, com um cheiro de fenos e prados atravessados, espírito vivo da verde natureza, entra em casa aos pulos, berrando pela sua sopa. À noite, cheia de fadiga, dorme como um canário. - E que educação superior, em verdade, não sai das árvores, das relvas, do pacífico marchar dos regatos, das recolhidas sombras, das searas, dos milhos, de todos os tranquilos seres que cumprem nobremente, e sossegadamente, o seu dever de crescer! (...)
Em contraste veja-se uma menina de dez anos, aqui em Lisboa, nestas altas casas encarceradas: pálida, curvada, acanhada, com olheiras, lendo já o jornal, cheia de si, caprichosa, ardendo em vontades, em curiosidades - uma boneca de cera habitada por um bico de gás. (...)

"As meninas da geração nova em Lisboa e a educação contemporânea" 
Uma Campanha Alegre / Eça de Queiroz

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Ao ler este mordaz artigo do Eça, algumas reflexões e perguntas me assaltam. Desde logo, agora não é a mãe que educa os filhos. Nem o pai. Não é mãe nem o pai juntos. São os infantários e os depósitos de crianças, chamados de escolas (e neste longo artigo também se criticam os colégios da altura). Pergunto-me sobre como seriam as mães, que da minha idade, deram os filhos que têm hoje vinte anos. E pergunto-me também - quem são as adolescentes de hoje, que têm agora 15 ou 18 anos? E que portugueses teremos na próxima geração...?

5 comentários:

  1. O meu filho pode ter andado num infantário e na escola,mas quem o educou fui eu eo pai e quem ele é agora foi à nossa custa.
    É verdade que hoje em dia, infantátios e escolas são autênticos depósitos de crianças que vêem sem qualquer educação de casa.Sei o que isso é, já que sou professora.

    Boa noite.
    Beijo

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    1. Olá Chinezzinha,
      (coincidência, acabei agora de ouvir a rubrica "O pior do mundo são as crianças"!)
      As escolas são mesmo depósitos de crianças - Portugal é o país do mundo, segundo a UNESCO, onde as crianças até ao 6º ano, mais horas passam na escola, e os pais portugueses ainda acham que é pouco!

      Depois eu sou muito crítico da educação que os papás dão hoje em dia - não sei se leste este texto que escrevi há uns dias: http://multi-resistente.blogspot.com/2017/02/o-peso-das-mochilas.html
      mas também sei que, a forma como a sociedade está organizada neste momento, torna muito difícil, ter tempo e até disposição para os filhos (e isso a meu ver também explica o porquê de termos 70 divórcios para 100 casamentos em Portugal.
      Um dia destes, hei-de escrever um texto "9 mil milhões de motivos para não ter filhos" e explico isso melhor!

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  2. Konigvs,
    É verdade. As crianças passam demasiado tempo na escola. Elas também precisam de tempo para brincar.Não?
    Não vi esse post, mas vou ver daqui a pouco.
    Quando se quer, há tempo para tudo.
    Quantas vezes saía de manhã e vinha tarde e mesmo assim, tinha tempo para o meu filho.
    Por exemplo, quando estava no infantário... mal eu pudesse, ia logo buscá-lo. Não fazia como outras mães que iam à cabeleireira, café ou compras e deixavam lá os filhos. Sei de alguns casos assim.
    Se eu tivesse que fazer algo, levava-o comigo.
    Quanto à educação e por que não o disse no outro comentário, sempre o ensinei que devia respeitar muito os professores, colegas e funcionários. Nunca tive uma única queixa. Pelo contrário, por vezes ia ao infantário falar com a educadora e à escola dele à procura da D.T. e o que me diziam era que quem lhes dera todos fossem iguais ao meu.
    Hoje em dia, grande parte dos alunos não respeita ninguém e por vezes ainda são piores do que eles.

    :)
    Beijo

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    1. Hoje em dia trabalham homens e mulheres e não há tempo! Eu mesmo, que estou solteiro (de momento sem namorada) e não tenho filhos, e queixo-me da falta de tempo para MIM! Agora imagina se tivesse mulher e filhos!

      Não é sustentável que trabalhemos 8 horas por dia! Não é! São 8h de trabalho, mas muitas vezes mais 2h na deslocação e juntando a hora de almoço, em média, cada pessoa "perde" do seu dia 10/11 horas com o trabalho! Pais e mães!

      Uma amiga minha (24 anos) recentemente, dizia-me: "eu, ou vou trabalhar ou vou ter filhos, as duas coisas não". Por isso cada vez mais pessoas desistem de ter filhos, e já nem vou falar do custo que implica ter um filho!

      As pessoas não têm tempo para si, para o lazer, e se têm um filho, chapéu!, então acaba-se o descanso, acaba-se a vida própria e ficamos completamente anulados, entre o trabalho e os filhos. Não se faz mais nada! porque não há tempo!

      Um dos meus patrões, da minha idade, tem vários irmãos e teve 5 amas! Mas o comum dos mortais não pode pagar a amas ou pagar a uma pessoa de confiança para estar lá em casa a cuidar do filho! Por isso é que ele hoje é patrão e eu sou seu empregado! Não há igualdade de oportunidades! Nada é igual nesta sociedade, e as pessoas, estupidamente, cada vez mais a estão a transformar em mais desigual, votando em partidos que defendem os que mais têm, e que põem o pé no pescoço dos mais pobres.

      Não podemos trabalhar 8h por dia. Por isso os suecos (esses grandes comunistas!) já só trabalham 6 horas. Porque eles, e bem, argumentam, que uma pessoa que tenha mais tempo para a sua vida, vai ser mais feliz, e pessoas mais felizes dão mais produtividade. E não é preciso fazer um curso de recursos humanos para perceber que eles têm toda a razão!

      Como explicar que quando surge um filho a taxa de separações dispara? Porque há um acréscimo brutal de trabalho para os pais! Não se dorme de noite, é preciso dar de mamar, mudar fraldas, etc etc tu sabes melhor que eu! E se os pais, que muitas vezes nem tempo têm para falar um com o outro, (muitas vezes porque não querem) e à noite vai cada um para seu lado, quando surge um filho, se a relação não está estável, então vai ruir. E depois as pessoas separaram-se, arranjam outra pessoa, e logo em seguida vão querer ter mais filhos dessa outra pessoa! Têm de tratar dos seus novos filhos, e dividir a guarda de outros! São mais deslocações, mais responsabilidades, mais gasto de dinheiro, mais carga de trabalhos...

      Como é que alguém consegue ser feliz assim neste tipo de sociedade que temos hoje? Ninguém consegue ser feliz assim!
      É por isso que a maior riqueza dos ricos, não são os milhões que têm no banco - porque de facto o dinheiro não trás felicidade - mas é o tempo lvre que têm disponível ;)

      Mas também não é a falta de tempo que justifica tudo! E o que eu acho é que, as pessoas decidem ter filhos porque sim, porque o rumo normal das coisas é casar e depois ter filhos. Ponto. E não pensam nas implicações que tem ter um filho. Fazem-se as coisas demasiado levianamente parece-me.

      Mas se leste o outro texto, já sabes o que eu penso sobre a educação (ou falta dela) nos dias de hoje ;)

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