segunda-feira, 30 de maio de 2016

Eventos de rara probabilidade

O Marshall, personagem da série "How I Met Your Mother" chamava-lhes milagres, mas eu, que por acaso tenho um conceito um pouquinho diferente de milagre, sou mais da opinião da Robin que dizia que "os milagres não existem". Contudo estes acontecimentos ou milagres, tal como lhes chamaria o Marshall, vão-me acontecendo constantemente. 

No dia 17 de maio, depois de ter decidido não fazer o que sensatamente deveria ter feito, e bastaria só ter saído mais cedo ou mais tarde cinco segundos para que não acontecesse, acabo por me cruzar com um ex colega que estudou comigo, e com quem não falava há uns seis anos, num daqueles jantares de ex-colegas, quando muitas vezes descobrimos que já não temos muito a ver com as pessoas que eles eram antes. E ali ficámos a conversar durante, sei lá, meia hora, e quando eu me deveria apressar para ir para o trabalho. No dia 21, de tarde, fui até ao Imaginarius em Santa Maria da Feira pela primeira vez. E quem é que eu encontro mal chego ao chafariz defronte do Convento dos Loios? Precisamente o mesmo colega, segunda vez em quatro dias anos e anos depois. 
Miracle!

Entre um dia e outro deste duplo reencontro com este colega, passei no hipermercado para comprar a tal caneta de acetato para a minha colega me dar o tal autógrafo no CD.
Na Caixa pergunta-me a menina:
- Tem 98 cêntimos?  
- Mmmm... devo ter, respondi.
Fui pegar no porta-moedas e tinha uma infinidade de moedas de 1 e de 2 cêntimos, umas três ou quatro moedas de 10 cêntimos e uma ou outra de 5 cêntimos. Demoradamente começo a contar todos aqueles tostões e eis senão quando 94, 95, 96, 97 e mais um faz 98 cêntimos! Dei o todo o monte de moedas que tinha comigo à mulher para ela contar ela mesma, e ela confirmou que sim. Eu tinha comigo precisamente os 98 cêntimos em moedas, precisamente a quantia que ela me pediu para facilitar o troco. Qual a probabilidade de juntando todas as moedas que eu tinha comigo, e que eram muitas, fazer precisamente o valor que me pediram? 
Miracle!

27 de Maio de 2016 - Picos da Europa

Em fevereiro tinham aberto as inscrições, na associação com quem vou fazendo umas caminhadas, para no final de maio se fazer uma caminhada a Picos da Europa. Inscrevi-me, mas infelizmente já em abril constatei com desilusão, que estava fora das inscrições e que muito dificilmente poderia ir. 
Mas dois dias antes do evento, alguém decidira não ir e iria mudar o meu futuro nos dias seguintes.
Miracle!

Eu até já andava a fazer outros planos para este fim-de-semana. Minutos antes, naquele mesmo dia, até estava a pensar dizer lá na empresa para cancelar os dias de férias que tinha marcado, quando de repente o destino telefona-me e diz-me que surgiu uma vaga! Surgiu uma vaga porque dois dias antes, duas amigas cancelaram a viagem e para esses lugares de última hora fui colocado eu e outra pessoa, as pessoas que estavam imediatamente a seguir nas inscrições.

Chegadas a Arenas de Cabrales, Hotel-Quartel-Geral do nosso grupo, e depois de terem feito cerca de mil quilómetros de carro desde Lisboa, duas amigas quiseram surpreender as tais outras duas amigas com a sua presença na caminhada e ligam-lhes a dar a boa nova. Só que, elas que quiseram fazer uma surpresa às outras duas, aparecendo sem que elas soubessem, acabaram elas mesmas por serem surpreendidas! Elas tinham feito mil quilómetros (e outros mil iriam fazer de regresso a casa) para nada, pois as amigas haviam ficado em casa!

Já durante o percurso de ida da caminhada, e que seria o mesmo caminho da vinda, apercebi-me que faltavam muitas pessoas. É verdade que eu e as outras duas lebres, que me fizeram companhia, ficamos uns bons bocados sentados, a descansar, comer e a conversar, enquanto muitas outras tartarugas nos iam passando, mas ainda assim faltava gente. E então só mesmo no final é que percebi que algumas delas haviam desistido logo na parte inicial do percurso, voltado para trás e ficando no tasco nos comes e bebes, aguardando que todas aquelas dezenas de pessoas, vestidas de verde-alface, chegassem daquelas mais de seis horas de caminhada e contemplação.

Mas um outro infeliz acontecimento havia ocorrido e feito com quem algumas pessoas tivessem perdido muito tempo, entre elas a presidente da associação, que tem sempre o cuidado de reunir as últimas pessoas, servindo como uma espécie de carro-vassoura. Infelizmente alguém havia caído e se magoado, a ponto de ter de ser transportada de helicóptero para o hospital. Será que eu conhecia esta pessoa? Eu ouvi comentar que era "uma mulher toda para a frente, de 67 anos com tatuagens...." Mas querem saber a melhor? Esta mulher, era uma das duas senhoras que haviam vindo de Lisboa de carro, que tiveram de fazer mil quilómetros para surpreender as tais outras duas amigas, as tais que haviam cancelado a viagem (para eu poder ter ido!) sem elas saberem.
Curiosamente ouvi também o relato de que a amiga desta senhora, durante a caminhada, lhe ia dizendo que, se calhar, o melhor era voltarem para trás, mas que ela insistia que não. Irónico não é?
Miracle!




O Marshall chamaria a este tipo de acontecimentos de milagres. Eu acho que prefiro chamar... Eventos de rara probabilidade? 


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Muitos quatro meses depois...

Depois de quatro meses terem passado, e depois de muitos outros quatro meses se terem seguido. 

Precisamente hoje, neste dia, um ano atrás. Ou devemos considerar que foi ontem? porque naquele dia, em que ambos ainda não sabíamos que seria o último, aconteceu no domingo de ontem de há um ano.

Não precisei de ir folhear a agenda do ano passado nem tomei nota para me lembrar. Nem foi por andar desocupado e não ter mais nada em que pensar, porque em boa verdade até tenho andado muito ocupado com demasiadas coisas. Desde logo com o muito trabalho - eu sei que não posso abraçar o mundo com as mãos - com a preocupação das pessoas que me são próximas, e entretido com alguns momentos de lazer, e eu sei que tu ficas contente com isso pois queres sempre que eu te fale de coisas bonitas. No fundo tu sabes bem que eu lembrei-me porque simplesmente seria impossível não lembrar não é?

Não fui lá nem tinha planeado lá ir. Sim poderia ter ido mas não fui. 
Também posso ir lá ver-nos noutro dia qualquer. Ou posso ir a dezenas de outros sítios onde estivemos  sempre tão mais felizes, olha, como da última vez que nos encontramos, ali, de frente para o mar, naquela posição... de "alinhamento de chakras"?!


Via Pinterest

Mas tu sabes que aquele banco de jardim terá sempre uma carga emocional diferente para mim. De certa forma nós morremos lá naquele banco. Achas que um dia deveríamos ir lá para termos uma outra memória posterior? Se calhar até faria sentido. Olha, podíamos sempre revisitar as galinhas, que andam sempre por lá, de volta daquele mesmo banco de jardim. 

Eu olho para ele como se de um memorial se tratasse. Vejo-nos lá aos dois, cada um à sua maneira a tentar lidar com a sua dor e não imaginaríamos que aquela seria a despedida, a que nunca haveríamos de ter. 

Mas sabes, eu acredito hoje, e quero mesmo acreditar, que nós nunca nos despedimos porque na verdade não mais nos iremos separar. 

Onde quer que estejas, espero que estejas bem. 

sexta-feira, 20 de maio de 2016

O Autógrafo



- Sabias que Ana cantava numa banda conhecida? 

Sabia. Sempre soube aliás, mas ela até esse dia não sabia que eu sabia. 

Reconheci-a logo no primeiro dia que entrei por aquela porta daquela empresa. Minutos antes de ser entrevistado na sala de reuniões, entrevista que poria fim a um longo calvário de anos de desemprego, aquela aparição fazia com que ficasse entretido a conversar comigo mesmo, se seria mesmo ela que trabalhava ali.

A vaga só pode ser minha, pensei. Vens a uma entrevista, numa empresa que tem, claramente, nome de banda de Metal Gótico ... ou de outro Metal qualquer! e ainda por cima trabalha aqui uma vocalista de uma banda, que tu até viste umas quantas vezes atuar ao vivo? Isto só podia ser um sinal! 

Seis meses passaram e eu nunca lhe disse que sabia bem quem ela era, ou se quisermos, que sabia da outra vida dela, que os outros colegas já lhe tinham ouvido falar, mas que no fundo ninguém tinha conhecido como eu, porque afinal, eu havia estado em vários concertos da banda dela. Mas o mais interessante é que, mais tarde, viemos mesmo a descobrir que uma outra colega, tinha estado também no mesmo festival, onde a banda dela tocou e onde eu mesmo estive também. E o mundo é de facto mesmo muito pequeno. Como estou sempre a dizer, nós estamos todos ligados, cruzamo-nos com diferentes pessoas, que ainda nem sequer conhecemos, mas que mais à frente estarão bem perto de nós. Naquele festival estivemos lá os três, cada um na sua vida e nenhum conhecia os outros dois, provavelmente até nos cruzamos, e um dia haveríamos de trabalhar os três juntos.
E eu tenho histórias ainda bem mais improváveis e rocambolescas que esta, e que aconteceram, curiosamente, também em festivais... e isto faz-me pensar que já não vou a um festival há uns anos. O que eu andarei a perder?!

Estávamos em 2005. Eu atravessava o recinto do Vilar de Mouros com um amigo meu, e ela passava por nós, já depois de ter atuado, naquela sua pose altiva e segura de si. Tinha os cabelos pretos, lisos e compridos, e vestia um casaco de pele, preto, também ele comprido. O meu amigo vira-se para mim e diz que ainda lhe vai pedir um autógrafo. Mas não pediu. A banda dela tinha sido a primeira a abrir as hostilidades, numa noite que, depois de Anathema, que toda a gente adorou menos eu, e ainda iria acabar ao som de Within Temptation e Nightwish. E eu estou em crer que esta terá sido, pelo menos a terceira vez que vi a banda dela atuar. 

Por isso sim, eu sabia bem que ela já tinha tocado numa banda conhecida. Mas ela não sabia que eu sabia. Mas também eu ia fazer o quê? Chegava ao pé dela, quase a babar-me como uma groupie e dizia-lhe? E assim do nada, sem vir em conversa? Eu não sou desse género, por norma sou bastante discreto até. Mas aquela fora, talvez, a primeira oportunidade que eu tinha de lhe fazer ver, que sim, que eu sabia, e em boa verdade também não tinha qualquer motivo para fazer disso segredo. 

"Sim sabia, até porque vi uns quantos concertos dela!" 






O desconforto e embaraço foi quase enternecedor. Aquela minha colega de trabalho já quase não parecia a mesma mulher que havia atravessado de forma altiva e segura de si, naquele recinto daquele grande e mítico festival. Estava surpreendida, mas num surpreendente embaraço. 

Já há bastante tempo que lhe tinha dito que um dia traria um CD para ela autografar. E falei, meio por falar, e às vezes talvez pareça que não seja para levar a sério. Talvez isso seja uma caraterística minha, dizer algo e as pessoas entenderem isso um eterno protelar, mas quando eu no fundo sei que as coisas vão acontecer, mas não tem de ser no dia seguinte. Eu já aqui escrevi que quando quero algo tenho tempo, não precisa ser no dia seguinte, nem na semana seguinte, nem no mês seguinte. Posso até esperar pela encarnação seguinte se for preciso. As coisas acontecerão quando tiverem de acontecer.

E aconteceu precisamente esta semana. Eu precisava levantar dinheiro e o multibanco aqui da aldeia está fora de serviço. Parece que uns empreendedores incompetentes tentaram arranjar forma de rebentá-lo mas falharam. Clara falta de formação! Então, logo após o almoço decidi ir a pé até ao hipermercado, que fica a uns oito minutos, a passo bem rápido da empresa. Mas, só para me contrariar, também este multibanco não tinha dinheiro para me dar. Então, já que estava ali, resolvi entrar e comprar uma caneta da acetato - a dúvida desde logo foi depois escolher entre 0,4 ou 0,6mm! - especialmente para a minha colega de trabalho me autografar o CD,  que diga-se já andava há uns bons meses no porta (não luvas) mas porta-tralhas do carro. E claro que tinha de ser com uma caneta especial, ela não me ia assinar o CD com uma caneta azul qualquer lá do escritório! Eu sou atento aos detalhes, e afinal este não era um autógrafo de oportunidade, não é atriz-toda-boa que passa pelo caçador de autógrafos que tenta de imediato arranjar uma recordação. A minha colega está ali todos os dias, à minha disposição, bastava eu querer, então a caneta não podia ser uma qualquer.

Chegado à empresa fui ao carro buscar o dito CD e levei com ele a caneta, ainda virgem, dentro do hímen da embalagem plástica, e entreguei-lhe para então ela, finalmente, me me dar o autógrafo. 

sábado, 14 de maio de 2016

Dois mundos




Cemitério de Agramonte com vista para o Centro Comercial do Bom Sucesso / Porto

domingo, 8 de maio de 2016

Dia das Mães Sozinhas

Depois de andar algum tempo como que perdido pela cidade, porque quando as alternativas são várias e não definimos previamente o programa de festas, tal como aliás eu sempre gosto de fazer, mesmo sozinho, como foi e é agora na maior parte das vezes o caso, acabamos por nos perder por entre as diferentes opções. Afinal estando sozinhos, sem um amigo ou companheira, existe um mar de possibilidades. Podemos ir onde nos apetecer. Só temos de decidir onde ir.

Acordei sem sequer saber que era Dia da Mãe. E dou-me por feliz por não ter sabido. Isto significa que devo andar mesmo a leste deste mundo, que diga-se, cada vez mais detesto, para não ter tropeçado em qualquer publicidade a avisar-me que tinha de me lembrar que a minha mãe existe. Bem que alguém me tinha dito no dia anterior, que como no dia seguinte era um dia especial para a mãe, iria dar um passeio com ela. Não sou de fazer muitas perguntas. "Talvez a mãe faça anos". Só no dia seguinte, quando passava os olhos pelas capas dos jornais é que percebi que era Dia da Mãe. 

Até que lá cheguei ao local que iria visitar pela primeira vez. E a verdade é que eu gosto sempre de descobrir novos sítios. Novas primeiras vezes. 

Estacionei a carroça, (o cavalo preto agora fica mais vezes em casa) e saio descontraidamente. Passo os olhos de forma discreta e observo  tudo o que se passa em redor. No meio de toda a ação de pessoas que passam, uma aparição chama-me a atenção.

Agora há um tipo de mulher que há um ano vejo constantemente, em todo o lado. Tal como há um determinado carro. Há sempre um, daquele modelo daquela marca e precisamente daquela cor. Antes, até podia nem reparar, mas agora vejo-o em todo o lado que vou. Tal como o mesmo perfil de mulher. 

Saí da carroça, e no meio de toda a ação de algumas pessoas que se cruzavam, uma mulher que jogava à bola com uma criança de imediato é o centro das minhas atenções. A mulher, não sei, deveria ter uns trinta anos, por aí. Cabelos pretos pelo meio das costas, corpinho de sereia, quase de mulher adolescente com uns óculos de sol que lhe tapavam quase metade da cara. A criança, também ela de cabelos pretos brilhantes, não sei, talvez tivesse nove ou dez anos. Mulher e criança jogavam alegremente à bola. "Ainda nem entrei mas ao menos já valeu a pena cá ter vindo" pensei olhando pelo lado positivo.  



Ao ver aquele cenário só poderia imaginar. Quem seria aquela mulher e aquela criança e o que seriam um ao outro? Uma tia gira que se separou recentemente, e que agora tão cedo não tem pachorra para homens e tem agora muito tempo livre para ficar com o sobrinho, enquanto a irmã faz um programa romântico de fim-de-semana com o marido? Também poderia ser a mãe do miúdo. - Mas ainda tão jovem? Se calhar nem trinta anos tem. Mas também poderia ter tido o filho já depois dos vinte. 

Esta é uma das vantagens de sair sozinho. Observar.  Quando saímos com alguém a nossa atenção centra-se nessa pessoa, ou pelo menos assim deveria ser. Tudo em redor desfoca e focamo-nos muito mais nessa pessoa. Estando sozinhos estamos no nosso mundo e observamos tudo com muito mais pormenor e temos tempo até para nos ouvirmos a nós mesmos. 

E lá entrei. Fui fazer a minha visita demorada e tranquilamente. Até que, do ponto mais elevado onde estava, olhava lá para baixo e via, de novo, aquela mesma mulher jogando à bola com a mesma criança.  Admirava como ela tocava a bola com os pés e como mulher e criança interagiam. 

Mas a resposta à minha dúvida ia ser dada.

"Mãe". Disse a criança para a mulher que já tinha a sua cara exposta, desprotegida daqueles óculos escuros que lhe tapavam quase metade da cara. E afinal, aquela bonita mulher, de cabelos pretos pelo meio das costas, de corpinho de sereia não era tia, nem tinha outra qualquer relação com aquele menino. Ela era, evidentemente, mãe daquele rapaz que herdara os seus mesmos cabelos pretos brilhantes. 

Era um domingo à tarde. Uma mãe jogava à bola com o filho em frente de uns prédios de apartamentos. Mas e o pai? Perguntei-me onde poderia estar o pai. E será que o pai ainda estava junto com a mãe? Poderia estar a trabalhar no estrangeiro...ou poderia estar em casa a ver televisão... ou poderia estar em mil outros sítios diferentes. Poderia até já ter morrido sabe-se lá Mas fosse como fosse, a verdade é que, num domingo à tarde, naquele Dia da Mãe, em que toda a gente menos eu valoriza, aquela mulher estava ali, sozinha com o seu filho. 

Terminei a visita e comprei algo para alimentar o corpo. Isto das aparições estimulam-me a mente mas não alimentam o meu estômago de passarinho que precisa de andar sempre petiscar. Saí (e haveria de voltar a entrar) enquanto comia tranquilamente. Gosto de comer devagar, com tempo, de saborear os alimentos. Deu para perceber que a bola de carne de frango, que comprei aquela senhora (que aproveitou logo para me cravar uma rifa!) tinha molho de leitão. 

Cá fora de novo, já a mãe não jogava à bola com a criança. Eu continuava a comer enquanto caminhava um pouco, de máquina fotográfica ao ombro, para lá e para cá, enquanto ensaiava uns ângulos e ficava chateado com os carros que estavam estacionados em frente do sítio que queria fotografar. "Cá virei num dia de semana, para tirar uma fotografia decente sem carros" pensei. 

Entretanto outra mulher e outra criança brincavam sozinhas, também à bola, a uns dez metros onde tinha visto a outra mãe e o filho. Esta mulher, também ela magra, vestida de forma desportiva, com calças de fato de treino cinzentas e também com óculos de sol mas cabelo pintado de amarelo, brincava, sozinha, com uma menina de dois ou três anos. 

No dia da Mãe, reparei em duas mulheres. Duas mães que brincavam sozinhas com os seus filhos. Hoje não é o dia da Mãe pensei. Hoje é o dia das Mães sozinhas.  

domingo, 1 de maio de 2016

Até em italiano lhe escreveu

Por estes dias remexia no meu e-mail, que apesar de ter um mínimo de organização com pastas com nomes das pessoas com quem troco correspondência e com outros tópicos de interesse para onde envio e arrumo os e-mails importantes, mas achei que ter mais de três mil mensagens na caixa de entrada já era um bocadinho desarrumação a mais! E vai daí, começo logicamente pelos e-mails mais antigos, com cerca de cinco anos, e começo a apagar ou a arrumar para o sítio correto ou a criar outra pasta para o efeito. E de repente tropeço num e-mail meu, daqueles que por vezes envio para mim mesmo com qualquer coisa para tomar nota. Abro e verifico que se tratam de mensagens que foram escritas num fórum, onde estive registado e participei muito ativamente durante cerca de um ano. Estas mensagens foram escritas - supostamente - por uma mulher, que perante o choque que teve na sua própria relação, decidiu desabafar anonimamente e auscultar as opiniões alheias para no fundo tentar perceber o que lhe aconteceu.

Estavam casados há 10 anos, com 2 anos de namoro, são 12 anos de relação ao todo. Ela confiava piamente nele, apesar de ser uma pessoa que não tem por si só feitio de desconfiada, ele também nunca lhe deu motivos para o ser. Até aquele fatídico dia.

Ele sempre foi contra internet e redes sociais, até porque ela sempre adorou blogs e tinha uma certa tendência para começar a sonhar, através da escrita dos que escreviam os blogues, com príncipes encantados. Ela gosta de falar de almas e há muita gente na internet que gosta de falar de almas e ela teve um amigo virtual assim. Que lhe falava de almas.
Ele soube do amigo com alma e fizeram um pacto, que a partir daquele dia nenhum deles se ligaria a redes sociais nem teria emails pessoais sem o outro saber, por uma questão de transparência entre os dois. Ela achou muito bem e alinhou no que ele lhe explicou.

Até aquele fatídico dia, em que ela lhe pediu o portátil emprestado. Aí, por acidente, descobriu que ele tinha um email pessoal que ela desconhecia, e ele negou. Em que ela, por acidente, descobriu que a página mais visitada por ele na net era o Facebook de um outro ser feminino, que ele negou. Tudo ele negou então ela sozinha descobriu que ele tinha uma relação platónica com uma colega de trabalho, mas de uma outra cidade, há praticamente 2 anos. Nunca se tocaram mas trocavam palavras carinhosas e elogios e desejos e vontades e desabafos.
Falaram-se também durante esses dois anos ao telemóvel, a darem-se ânimo mútuo para prosseguirem os seus dias.

Ela ficou estupefacta.
Ele nem era do tipo romântico.
A outra era até muito mais feia que ela, a quem ele dizia que era bonita e atraente.
Dois anos de mensagens trocadas dá muito para ler.
E ela ficou a pensar..mas que raio poder-se-á ter passado aqui?
E decidiu escrever num fórum sobre a forma de um qualquer anonimato. Para ver o que diziam os outros sobre o assunto.




Parte II

Apesar dos 12 anos de relacionamento, e antes que opinem com os habituais clichés do romance que desaparece, o fastio, a falta de jantares.., fiquem a saber que não é nem nunca foi o caso nem desculpa para eles. Sempre namoraram, tinham e têm uma vida íntima muito boa, saem os dois em programas românticos. São inclusivamente daqueles casais que os outros e, mais importante, eles próprios, acham um modelo a seguir.
Ele é um homem atraente e ela sabe-o. Ele não deixou de fazer a barba nem se tornou batata do sofá.
Ela é uma mulher bonita e não engordou os tais 20 quilos, nunca se desmazelou.
Não há aqui os erros os quais costumam, aqui no forum, acusar os outros.
São pessoas que se cuidam e mesmo casadas nem uma nem outra se desleixou.

Em solteiros ele namorou com uma rapariga a quem traiu mil vezes.
Ela namorou com um rapaz a quem traiu e que a traiu a ela.
Sim, foram miúdos de cidade bem vividos, não podem dizer que não tiveram uma adolescência em pleno.

Assim, ambos foram para este casamento preparados, já sabiam como fazer tudo bem pois ambos já o tinham feito mal. Quando se casaram foi porque quiseram. Escolherem bem a pessoa.

Amam-se e a relação não acabou. É uma fase dizem um ou outro, tristemente.
Mas, quando ela está sozinha com os pensamentos, o que acontece muitas vezes, vê os poemas que ele escreveu para a outra em Italiano com a ajuda do tradutor Google e apetece-lhe dar-lhe um tiro.
Vejam lá que até em Italiano escreveu.


Colocando-me no lugar desta pessoa acho que consigo perceber a sua desilusão e a raiva para tentar perceber o que se passou. Ao que parece não existe aqui propriamente uma traição mas sim uma enorme perda de confiança. Ela diz-nos que se amam e que isto não foi motivo para a relação terminar. E ainda bem. Mas conseguiremos nós amar e estar confortáveis numa relação com alguém em quem já não confiamos? 

Este exemplo revela bem como pode ser tortuosa a cabeça das pessoas. Ele dizia não gostar de redes sociais e blogues, mas pelo que parece, só não gostava porque ela gostava, e essa poderia ser uma via para conhecer outros homens. E então achou que o melhor mesmo seria propor um pacto: não mais interagirem com ninguém via Internet e dessa forma ela já não iria falar com outros homens que tivessem os mesmos interesses que ela. E como se isso fosse resolver o que quer que seja! Mesmo que quiséssemos, nós nunca controlarmos totalmente outra pessoa, e não é a impedi-la de ver o mundo que as coisas não vão acontecer, se tiverem de acontecer. 

A beleza do amor não está em fugir com a pessoa que gostamos para uma ilha deserta e ali ficarmos para o resto da vida bem longe de toda a gente e longe de todas as tentações possíveis e imagináveis! Eu acho que é precisamente ao contrário. A beleza está em, com o passar dos anos, e contactando com toda uma série de pessoas, até mais bonitas, inteligentes, cultas, seja o que for, percebermos que continuarmos a querer ficar ao lado da mesma pessoa, não por conforto, mas tão simplesmente porque sim, porque é ali junto daquela pessoa que nos continuamos a sentir bem. Essa é a beleza do amor. Apesar de sermos sempre livres, de não pertencermos nem sermos proprietários de ninguém, e de podemos olhar para outras pessoas,  continuarmos só ter olhos para a mesma pessoa. 

Eu sei que é sempre muito confortável estar no papel de crítico ou analista, julgando pessoas que nem sequer conhecemos. Temos sempre o nosso próprio exemplo. Basta nos olharmos ao espelho. Mas é muito criticável sermos hipócritas e desonestos. E é isto que me desilude verdadeiramente nas pessoas. A falta de honestidade, o jogar permanentemente, como se o amor fosse um jogo individual em vez de ser jogado a duas mãos. O agir secretamente de determinada forma só para atingir certos fins egoístas. É o atirar a pedra mas esconder a mão. 

Se não somos honestos com a pessoa que - supostamente - mais amamos, vamos então ser honestos com quem? E connosco - será que somos honestos? Ou vivemos uma vida a fingir ser quem gostaríamos de ser?