sábado, 19 de setembro de 2015

"Queres um conselho? Não te cases."

Se eu gostasse de conselhos pedia-os, e na verdade, e ao contrário de muitas pessoas, não sou muito de pedir conselhos aos amigos, aos pais, ou seja lá a quem for. Conselhos, como é lógico, naquilo que é verdadeiramente importante na minha vida pessoal, e não sobre coisas triviais, pois não me tenho por nenhum supra-sumo do conhecimento de todas as áreas, e sempre que existe algo que não domino quero-me informar, gosto de auscultar quem tem mais experiência ou sabe mais do que eu em determinado assunto para depois então depois decidir pela minha cabeça.

Mas esta semana deram-me um conselho sem eu o pedir.

Depois de já antever as palavras que teria de ouvir quando chegasse a casa e tivesse de explicar à mulher uma coisa tão simples, como o horário do voo que teria de apanhar, um colega no trabalho diz-me:

"- Queres um conselho? Nunca te cases. Nós pensamos que connosco vai ser diferente dos outros. Que elas serão diferentes. Que serão diferentes das mulheres dos outros. Mas não. É tudo igual".

E vira-se para o outro colega que estava connosco, também ele casado e interpela-o:
"- Não é ó... "? Ao que ele de imediato concordou totalmente!

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Pois é, mas eu se quisesse conselhos pedia-os. E se eles fossem mesmo muito bons, então talvez as pessoas os devessem vender, pois talvez um bom conselho valha bom dinheiro.

Mas o que eu questiono é - será que as pessoas dizem isto que pensam ao respetivo(a)? Será que as pessoas casadas dizem ao respetivo(a) que dão conselhos aos outros para não se casarem? Será que ao menos conversam sobre isso?

"Olha amor, sabes, nós estamos casados há alguns anos, eu estava cheio de expectativas, achei mesmo que iríamos ser felizes, que iríamos ser diferentes dos outros, que tu irias ser diferente dos outros, mas isto afinal é um casamento exatamente igual ao dos outros.
Sabes amor, estou farto de aturar as tuas merdas e já nem me lembro qual foi a última vez que fodemos, mas a sério e não aquela fodinha da misericórdia em que abres as pernas enquanto pensas na cena do episódio da novela de amanhã, e eu, com sorte, venho-me três minutos depois. Olha amor, se eu soubesse não me tinha casado contigo".

Será que as pessoas realmente dizem o que sentem, ou armam-se simplesmente em muito sabedoras, mas só para com os outros, quando na verdade não fazem nada para mudar o estado de coisas das suas próprias relações e dos seus próprios casamentos?

Pois é. Querem um conselho? Não estão bem? Ponham-se. Os divórcios são livres. E já agora guardem os conselhos para vós mesmos. Talvez vos façam mais falta que a mim que ainda sou solteiro. 

1 comentário:

  1. Livrai-nos sobretudo de cultivar os sentimentos humanitários. O humanitarismo é uma grosseria. Escrevo a frio, raciocinadamente, pensando em vosso bem-estar, pobres mal-casadas.
    A arte toda, toda a libertação, está em submeter o espírito o menos possível, deixando ao corpo, que se submeta à vontade.
    Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros, a vossa personalidade e a banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter, porém contactos […] inexplicáveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até (…) — eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gozar e alargar a sua individualidade, sem descer ao método da criada de servir, que, por ser também delas é baixo, nem cair na honestidade rigorosa da mulher profundamente estúpida, que é decerto filha do interesse.
    Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis compreender o que escrevo. Todo o prazer é do cérebro, todos os crimes que se dão é só em sonhos que se cometem. Lembro-me de um crime belo, real. Não o houve nunca. São belos os que nós só sonhamos. Bórgia cometeu belos crimes? Acreditai-me que não cometeu. Quem os cometeu belíssimos, profusos, frutuosos foi o nosso sonho de Bórgia, foi a ideia de Bórgia que há em nós. Tenho a certeza que o César Bórgia que existiu era um banal e um estúpido, tinha de o ser porque existir é sempre estúpido e banal.
    Dou-vos estes conselhos desinteressadamente aplicando o meu método a um caso que me não interessa. Pessoalmente os meus sonhos são de império e glória; não são sensuais de modo algum. Mas quero ser-vos útil, ainda que mais não seja só para me arreliar porque detesto o útil. Sou altruísta a meu modo.
    Fernando Pessoa

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