terça-feira, 11 de agosto de 2015

Tu não sabes o que eu te posso dar

Elinor sentiu-se como que paralisada pela aproximação do acontecimento inevitável. Nada mais podia fazer senão ficar sentada e esperar. E por fim o inevitável aconteceu, como deveria acontecer.
- Lembras-te - perguntou ele lentamente - sem erguer os olhos - do que eu te disse antes da tua partida?
- Julguei que tivéssemos combinado não tornar a falar disso...
Everard deitou a cabeça para trás, como uma pequena risada.
- Pois bem, enganaste-te. - Olhou-a e leu nos olhos dela uma expressão de angústia e de inquietação, um apelo à sua clemência. Mas foi implacável. Fincou os cotovelos na mesa e inclinou-se para ela.
Elinor baixou os olhos.
Com a sua voz macia cheia de reservas latentes de violência, ele falou:
- Disseste-me que não mudei, no que diz respeito à fisionomia. Pois bem, o meu coração também não mudou. Ficou o mesmo, Elinor, sempre o mesmo desde que partiste. Amo-te tanto quanto te amei sempre, Elinor. Não, amo-te mais. - Ela estendera a mão para a frente, pousando-a na mesa. Webley estendeu também uma das suas e tomou a de Elinor. - Elinor... - murmurou.
Ela sacudiu a cabeça sem olhar para o amigo.
Docemente, apaixonadamente, ele continuou a falar:
- Tu não sabes o que pode ser o amor. Tu não sabes o que eu te posso dar. O amor que é desesperado e louco, como uma esperança derradeira. E ao mesmo tempo terno, como de uma mãe para com o filho doente... O amor é violento e suave, violento como um crime, e suave como o sono.
"Palavras - pensava Elinor - palavras absurdas, melodramáticas." Mas elas comoviam, como a lisonja dele a tinha comovido.
- Por favor, Everard - disse ela em voz alta - cala-te. - Não queria deixar-se comover. Fez um esforço para manter o olhar firme enquanto observava o rosto dele, os seus olhos vivos e perscrutadores. Tentou um sorriso, abanou a cabeça. - Porque é impossível, e tu bem sabes.
- Tudo o que sei - disse lentamente - é que tens medo. Medo de vir para a vida. Porque tu viveste meia-morta todos estes anos. Não tiveste a menor oportunidade de despertar plenamente para a vida. E sabes que eu ta posso dar. Tens medo, tens medo.
- Que tolice!
Aquilo tudo era bombástico, melodramático.
- E talvez tu tenhas razão, nem certo sentido. Ser vivo, verdadeiramente vivo, não é uma simples farsa. É perigoso. Mas, por Deus! - ( e a violência latente da sua voz doce subitamente vibrou, solta, numa realidade sonora) - é sensacional.
- Se soubesses que susto me pregaste! Gritando dessa maneira.. - Mas não fora apenas o susto o que ele sentira. Os seus nervos e a sua própria carne vibravam ainda às sensações obscuras e violentas do triunfo que a voz de Webley tinha despertado nela. - "É ridículo" - pensava Elinor, para se tranquilizar. Mas foi como se tivesse ouvido aquela voz diretamente com todo o seu corpo. Os ecos pareciam vibrar no seu próprio diafragma... "Ridículo" - repetiu ela... E depois que era aquele amor de que ele falava de uma maneira tão vibrante? Apenas um breve interlúdio de violência, nos intervalos dos negócios. Everard desprezava as mulheres, querias-lhes mal porque elas consumiam o tempo e a energia dos homens. Elinor muitas vezes ouvira dizer que ele não tinha tempo de se ocupar com o amor. As suas avançadas eram quase um insulto - como as propostas que se fazem a uma mulher da rua. 
- Sê razoável, Everard - disse ela.
Everard tirou a mão de Elinor e depois, com uma risada, atirou-se para trás na cadeira.
- Muito bem. Por hoje. 
- Para sempre. - Ela sentiu-se profundamente aliviada. - De resto - acrescentou, citando uma frase de Webley com um leve sorriso irónico -, tu não és membro dessa classe ociosa... Tens coisas mais importante a fazer do que ocupares-te com o amor.
Everard olhou-a por alguns instantes em silêncio, e o seu rosto tornou-se grave, com um ar de ameaça pensativa. Coisas a fazer? Era verdade, sem dúvida. Estava zangado consigo mesmo por desejá-la tão violentamente. E zangado também com Elinor por deixá-lo assim insatisfeito.
- Devemos falar de Shakespeare? - perguntou ele sarcasticamente. - Ou sobre o copofone?

Capítulo XXI / Contraponto / Point Counter Point/ Aldous Huxley

Em tempos conheci uma senhora que me dizia que tomava sempre nota do porquê de ter comprado determinado livro. Certamente essa pessoa leu muito mais livros que eu, e certamente será também bem mais metódica que eu. De qualquer forma este meu livro foi comprado usado já há muitos anos, sem nunca o ter lido. E comprei-o só por causa do nome do autor, pois na adolescência havia lido um dos seus livros (o único dele que li) e havia gostado bastante. 
Vou a pouco mais de meio do livro - já por aqui tinha escrito que gosto de me deliciar com tudo, gosto de fazer as coisas com calma, não tenho de ler o livro numa semana - e para já só tenho a dizer que estou a gostar cada vez mais, e que idiota que fui em não o ter lido há mais tempo. 

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