segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O fim dos verdadeiros ídolos

Aqui há uns tempos, quando ainda tinha televisão por cabo, apanhei na RTP Memória, uma entrevista com a Filomena Cautela (atriz e apresentadora de televisão) em que ela lembra uma conversa (muito interessante no meu entender) que teve com a sua mãe. Disse-lhe a mãe, esta frase fantástica:

"Na minha altura, as pessoas ignorantes tinham vergonha de o ser."

"As pessoas verdadeiramente admiradas, as figuras públicas, eram pessoas muito interessantes, e tinham de ser muito boas naquilo que faziam. Eram admiradas, ou porque cantavam muito bem, ou porque falavam muito bem, ou porque representavam muito bem. E os políticos (estamos a falar do tempo do 25 de abril) eram pessoas muito coerentes, muito sólidas no seu discurso. Hoje em dia não é assim, as pessoas mais admiradas, são pessoas sem nenhum conteúdo", ou completamente vazias (acrescento eu).

Relembrei-me destas palavras, ontem, quando ouvia na rádio algumas pessoas relembrarem Eusébio no dia da sua morte. E como tanta coisa mudou na sociedade portuguesa nos últimos anos, refletia eu, e como mudou radicalmente para pior infelizmente. A humildade, que sempre me ensinaram desde pequeno, que era uma grande qualidade, deixou de o ser, para passar a ser hoje um grave defeito. Qualidades hoje em dia são a má educação, a arrogância e a vaidade, e basta compararmos Eusébio (como outros do seu tempo), com os ídolos dos dias hoje.

Eusébio, para muitos o melhor jogador de futebol de todos os tempos, sempre disse que, na sua opinião, o melhor jogador de sempre não era nada ele, mas sim o argentino Alfredo Di Stefano que se notabilizou no Real Madrid. Curiosamente para Di Stefano, o melhor jogador de sempre foi o português Eusébio do Benfica. E é tão interessante fazer este paralelo com a realidade atual, pois nos dias de hoje, temos precisamente, um português, ídolo (da treta) de uma juventude, que passa a vida a dizer aos quatro ventos, que ele sim é que é o melhor do mundo, sempre, todos os anos ele é o melhor do mundo, bem melhor que o astro argentino, e que quem diz o contrário, o faz por inveja, pois ele é um rapaz muito bonito (e nada vaidoso) e muito rico!

Morreu Cunhal, pintor, escultor, escritor, e o político verdadeiramente romântico, que viveu na clandestinidade, que foi preso e espancado, mas escapou da prisão, e lutou sempre pela liberdade no país; morreu Amália, a rapariguinha pobre, que chegou a estrela tendo cantado nas melhores salas, e é conhecida em todo o mundo; morreu Saramago, o jornalista e escritor, maldito para os políticos de direita em Portugal (que ainda andam por aí!), e que foi admirado e respeitado lá fora que o levou a vencer o Nobel.

Se a Amália e o Eusébio foram os ídolos de uma geração (mesmo de quem nunca a viu cantar ou o viu  a ele jogar ao vivo) - quem são então os ídolos que a juventude portuguesa de hoje elegeu?

Fazendo mais uma vez um paralelo, e neste caso entre a música e o futebol, o que se passa hoje? Hoje na música, o maior cantor português, ou pelo menos, o sujeito que, unanimemente, mais gente junta nos concertos, é um cantor, ex-emigrante, conhecido por plagiar outros cantores estrangeiros!
No futebol, temos uma rapazinho, que tal como Eusébio cresceu em condições desfavorecidas, e que também chegou ao topo da carreira mundial, só que este, no processo, esqueceu-se das origens e mandou a humildade à fava, e ironicamente conseguiu, por um lado, ser venerado por muitos, e no entanto, ser detestado por outros tantos.

Os outros ídolos de hoje são estrelas instantâneas, empacotadas em massa, valendo-se de carinhas larocas, com pele de golfinho, com mais ou menos silicone, com cada vez mais botox, e que aparecem em programas de galinheiros, vistos vinte e quatro horas por dias nas televisões.

 A morte de Eusébio imortaliza o homem e o jogador, e acaba com os verdadeiros ídolos em Portugal.

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